terça-feira, 6 de novembro de 2018

Farrapos



Te conheci na hora errada. Meus pensamentos estavam tomados pela euforia das coisas efêmeras, paixão adolescente, cisma de menina, sabe? No meio de tanto barulho, tanta confusão, tanta briga, tanto ego, estava você, ali quietinho, ao derredor. Mal pude notar. Fantasiei o imperfeito com todos os sonhos que eu atribuía a ele e embora o traje não lhe coubesse bem, acreditei que cada um deles haveria nascido para essa função. 

A realidade me esbofeteou, sacudiu, rasgou toda aquela roupa colorida que criei para a palavra amor , me fez ver o que estava escondido abaixo dela. Então, comecei a compreender o quão vazio foi lutar tanto pelo que preenchia o outro, nunca a mim. Mas ainda assim, insisti por muitas outras vezes, remendar os farrapos com pedaços de esperança. " É só uma fase, vai melhorar", "Não pode ser tão ruim assim." "E se eu ficar sozinha e me arrepender?" Minha insegurança me segurava pelos pés, e eu arrastava meus passos tal qual um prisioneiro acorrentado. E você, continuava ali, ao derredor.

Até que a hora certa veio. Eu sabia o que queria e principalmente o que eu não queria. Sabia que não teria mais concerto, que remendos não seriam capaz de encobrir o inevitável fim. Aos poucos, meus olhos desanuviaram- se, e dentre as cores cinzas das quais havia me acostumado a enxergar, seu sorriso explodiu em cor. Me convidou para vida e eu tive medo. Calei e continuei. Dessa vez,  meus pés flutuavam. Você não estava mais ao derredor, você estava em mim. Ainda que não estivesse comigo. 

Continuo carregando pesos desnecessários daquele sonho antigo, tenho na mala os farrapos, botões e fitas que perderam a cor. Não o quero mais, talvez você não entenda, porque nem eu sou capaz disso, mas o que ele representa ainda me prende. É como se fosse uma obrigação, entende? Carregar para sempre os frutos que semeei, mesmo que eles não matem minha fome de amor. 

Ah, quisera eu ter a maturidade de hoje. Entender que a espera não é perda de tempo mas sim uma escolha estratégica que minimiza dores; saber que não há vergonha em mudar o trajeto quando caminhar não faz mais sentido, que insistir na dor por acreditar na cura é burrice.  Demorei muito para aprender e agora equilibro meus arrependimentos e frustrações na corda bamba de minhas vontades.

Meu medo é que no mais tardar, você não esteja mais ao meu redor e eu me esqueça o que é querer ser feliz. Que eu me acostume com o que tenho nas mãos, sentindo que em mim, restou apenas o vazio.  Meu medo é que você se vá sem ao menos saber que seu lugar sempre foi aqui. Não me entenda mal, o que sinto foge ao egoísmo. Por isso não peço que me espere, que me roube e me leve contigo. Só te peço que encontre sua felicidade. Mas por favor, não esteja tão longe para que ela possa refletir um pouco em mim e lembrar meus olhos cinzas, regados de lágrimas o quanto é bom encontrar sentido no sorriso de alguém.

É, eu demorei muito pra aprender que o amor nem sempre se veste de cor, às vezes, ele é as mãos que tece os sonhos... e nós? Somos a linha.

domingo, 21 de outubro de 2018

Tormenta




Eu sei que não deveria estar aqui com esses meus olhos marejados e essa fala ofegante. Não quero ser um transtorno pra você, mas infelizmente, não consigo mais fugir do caos que se instaurou em mim desde aquele dia em que conheci seu rosto, desde que me vi cativada por seu sorriso .Foi estranho. Desejei morar nele, ser o motivo dele.

Quanto mais desejava,mais sofria. "Não é certo" - como um mantra fiz disso uma armadura.  Porém,  em cada sorriso seu eu me via nua, completamente despida de pudor. Contrariando todas as vezes que prometi para minha razão que a faria prevalecer, pelo bem de todos. (menos o meu)

Não sou assim, inconsequente. Acredite. Moral e honra sempre foram fundamentais para mim. E talvez seja esse o grande problema. Durante muito tempo abri mão de quem eu era e do que eu queria, só para não parecer ser uma qualquer.  Durante muito tempo eu incobri com minhas lágrimas o sorriso de alguém que só me feria. Mas, daí,  quando vi você, senti sua boca me convidar para vida, senti meu desejo renascer, desde então ele grita por liberdade.

Antes de estar aqui, diante de você,  refiz a fala, reconsiderei atitudes, ponderei as possíveis consequências. Antes de chegar aqui, eu lutei contra o fato de já estar presa a você desde o primeiro instante. A culpa não é sua, nem minha, hoje eu sei. Embora ainda me pese o remorso por ter lutado tanto pra sustentar uma felicidade unilateral e repentinamente tê-la abandonado. 

Não é facil, não é. Ou você pensa que toda alegria que você via em minhas fotos eram constantes? Você não tem ideia das dores que camuflei nelas. Você nem imagina o quanto doeu fingir sentir o que não existia mais. Você nem imagina o que me fez voltar a sentir...

Tenho consciência que a angústia pode brotar ao enxergar nos seus olhos o "não " que tanto temo, mas ela seria maior, se eu continuasse a mentir para mim mesma por mais um dia. Ainda que eu não empurre a porta da sua sala e te jogue no sofá, derrame no seu corpo o que arde no meu, ainda que não  invada sua intimidade com minha devassidão, ainda que não sussure no seu ouvido as ordens para me fazer sua. Ainda que nada aconteça, tudo aqui se despeja: minha intenção, meu carinho, meu cuidado, meu medo e meu desejo, que de meu não tem mais nada, desde o instante que seu nome tomou minha boca.

E agora? Vai deixar que seus olhos "raios de sol" invada os meus ou vai me deixar afogar nessa tormenta que é te querer?

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Inocência Perdida



"O Amor perdoa qualquer coisa." Frase utópica lançada ao vento por pessoas que provavelmente não precisaram perdoar alguém que as feriram. Porque na prática, eu e você sabemos, que perdão é uma das coisas mais difíceis de se colocar em prática.  Perdoar dói, antes de libertar, perdoar machuca. Machuca porque tudo que nós queremos fazer quando alguém nos causa dor é revidar.  Ou vai me dizer que quando decepcionam você, a primeira coisa em que pensa é dar um abraço apertado no(a) infeliz e dizer " vem aqui, meu amor te liberta da culpa de ter feito mal a mim ?" Por mais espiritualizados que busquemos ser, não é tão fácil se desprender da dor. Não é.

Queria saber abdicar do meu desejo de sobrevivência emocional, dessa necessidade de me proteger a todo custo das feridas que podem me causar, mas eu não sei. Não sei esquecer com facilidade, não sei entregar nas mãos do tempo a tarefa de cicatrizar o que sangra, não sei sufocar com "eu te amo" o que precisa ser vomitado com um "some da minha vida!". Eu não sei mais negar a mim o direito de dizer "não" ainda que seja reflexo de um ressentimento antigo, uma mágoa pulgente. 

Dizem que não perdoar nos torna amargos, e não consigo imaginar outra possível consequência. É como se derramassem um balde de fel no poço de sonhos que construímos. Pelo menos foi assim que me senti quando, inesperadamente, me vi com esse gosto acre nos lábios. Não dá pra separar doçura de amargura depois que elas se misturam. O amor albugíneo  não vence a obscuridade do rancor. No fim das contas é isso, a gente passa a carregar um pouco de treva quando se vê vítima do engano e a partir de então, inicia-se a luta para que ela não seja maior que o desejo de ser feliz.

Até que enfim, decidimos perdoar, não como uma ação altruísta e milagrosa, mas como reflexo de um anseio incessante de retornarmos ao estado pleno de nada desconfiar. Na verdade, quando decidimos perdoar não desejamos a libertação do outro, buscamos resgatar a nós mesmos, resgatar o que era bom e outro matou. Você sabe, nunca mais seremos os mesmos. Mas quer saber o que nos faz luz ou treva? O desejo de lutar, o inquietante desejo de um dia voltarmos a ser ingênuos e amarmos tal qual uma criança. O que nos faz luz é a lembrança, ainda que distante, da doçura de amar sem reservas e o anseio de nunca perdê-la.




domingo, 30 de setembro de 2018

Eterno



Queria poder te livrar da dor, te impedir de conhecer o lado ruim dessa vida. Queria poder cercar seus passos com boas pessoas, te impedir de chorar, se decepcionar, sofrer. Queria que jamais soubesse o significado  da palavra doença, que em seu mundo não houvesse preconceito, intolerância ou crueldade.

Queria que não houvesse razão para aprender a desconfiar do próximo e que seu coração fosse abrigo para generosidade. Queria que bondade não fosse confundida com ingenuidade, que  todos seus amigos fossem irmãos, que seus amores fossem eternos, ainda que mudassem que formato com o tempo.

Queria ser sua heroína, sua rainha, sua parceira, o primeiro nome em que você pensasse quando uma grande conquista viesse. Queria ser seu abraço preferido e seu colo indispensável, ser seu abrigo e seu pedaço de mundo encantado. Queria arrancar seus melhores sorrisos e pintar na lembrança nossos instante mais bonitos.

Queria te dar o mundo sem medo do que ele viesse a te causar, que você sentisse orgulho das suas asas e que meu amor não te impedisse de voar; Mas que elas também não te levasse para tão longe a ponto de esquecer do nosso ninho. 

E quando eu partisse, queria que minha presença te abraçasse em pensamento, que meu amor te confortasse e que saudade alguma fosse capaz de nos separar. Queria que não chorasse quando meu abraço faltasse ou quando nossa casa ficasse vazia...

Sei que é  orgulho, meu filho, mas o que eu queria mesmo era ser eterna e que jamais pudéssemos mensurar a dor que mora na palavra "perder". Por nenhum desses "quereres" poder realizar, te deixo meu amor e a certeza de ele nos perpetuará. Porque em mim você sempre foi  e sempre será, eterno.

domingo, 23 de setembro de 2018

Tudo Que É Seu



Aquela moça, desengonçada e esquisita, gostaria de te agradecer pela mulher que está diante de você. Meu amor virginal, ingênuo e entregue, que refletido em você se viu força, hoje é paz. Paz que se fez casa pra que toda lembrança tua pudesse morar. Aquela menina deslumbrada e encantada com o brilho que seus olhos tinham, te agradece por ensiná-la a encontrar o jeito próprio de ser luz e iluminar os cantos escuros que sua ausência deixou.

Minhas crenças, finitudes e fraquezas gostariam de te agradecer por dar um jeito de morar nos detalhes do meu dia a dia. Por amenizar minha dor me abraçando em sonhos, por me acariciar em canções e me acompanhar em lembranças. Por morar no sentido da palavra "Eu Te Amo" e me fazer acreditar em eternidade, ainda que suas mãos fujam às minhas, ainda que me falte um "Eu Também" ao pé do ouvido.

Meu corpo, desconhecido por seu querer, gostaria de te agradecer por aprender a tocar minha alma antes de invadi-lo. Minha boca, gostaria de te agradecer por  não despertar o desejo que jamais seria capaz de conter. Por me dilacerar a pele com a sutileza do teu perfume.Por me fazer tão sua no silêncio de um abraço.

Se não fosse tanta dor causada, agradeceria até seu adeus. Porque ele me ensinou que além de alento, amor também é força. Força que resiste vontades, tristezas, saudades e intenções. AMOR é força. Que continua me fazendo sua ainda que minhas mãos desconheçam o entrelaçar dos seus dedos, ainda que meus olhos tenham se perdido regados à lágrimas de tantos porquês.O coração que foi e sempre será seu, hoje,  também agradece por fazer do seu lugar um canteiro e permitir brotar outros tantos amores. 

E por falar em dor, gostaria de agradecer por aceitar dormir quando te ver vivo em mim me tirava a vontade de querer viver. Por ficar em silêncio para que eu pudesse dar ouvido ao meu choro, por respeitar minha intensidade e calar. Obrigada, por me permitir curar. Ainda é pouco, eu sei. Tantas outras coisas você fez ser o melhor de mim, e outras poucas,  suas mãos foram capazes de receber. Ainda assim, agradeço. E permaneço ocultando  tudo de melhor que é meu pra você.  (Sabe-se lá a razão...)

Agradeço por ser a história bonita que meus filhos ouvirão. Por aludir a palavra "Amor" em minha mente tal qual Monalisa faz à Da Vinci. Por ser primaveras nos tantos outonos que vivi, por ter brotado todas as vezes que desesperada tentei te sufocar nos escombros de orgulho. E por fim, obrigada, muito obrigada por ser o meu primeiro, inteiro, amigo e eterno, amor. 


domingo, 2 de setembro de 2018

Nós



Histórias Românticas atraem. Atraem porque trazem esperança. As pessoas gostam de  saber que  é possível  ser  feliz  ao lado de alguém. Sinceramente, acreditei que a nossa história seria uma delas. Porque você me inspirava, me fazia querer ser melhor. Juntos éramos, sim uma bela demonstração do que era Amor. 

Mas, você sabe que não foi em amor que tudo acabou. E hoje, a razão nos deixa claro que não pensar no que fomos um dia é o melhor que fazemos. Tudo bem. Somos adultos, estamos cientes disso. É injusto, eu sei. Embora pareça maldade, queria que você parasse pra pensar um pouco em como seria se hoje estivesse aqui. Não, não pergunte pra quê isso. Não me pergunte nada. Pense, apenas. 

Se nesse momento houvesse a chance de fazer algo diferente, faria? Largaria toda segurança que te cerca por mim, logo eu, seu lugar mais incerto? Se jogaria nesse abismo? Você viria se me ouvisse chamar? Sabe, me pego pensando por quanto tempo eu teria sido capaz de resistir, se você tivesse escolhido lutar por nós. Se meu medo venceria sua fé. Não tô dizendo que a culpa foi só sua e não estamos juntos porque você não lutou por isso, estou dizendo que talvez pudéssemos estar. 

Fui dura contigo, tive minhas razões. Sofrimento me faz atacar para me proteger. Eu prometi pra mim que nunca mais sofreria por alguém que escolhesse ir embora, muito menos imploraria para que ficasse. Eu jamais pediria, nem mesmo pra você que me viu como nenhum outro foi capaz. Ninguém, ouviu bem, ninguém me conheceu daquele jeito. 

Queria que você fosse embora, sim eu queria. É contraditório. Sou assim desde que nos conhecemos. Queria que você sumisse porque estava conseguindo o que queria, você estava conseguindo ser tudo que sempre quis. Até as três palavras mágicas me fez dizer. Sabe o quanto isso foi assustador pra mim? Você me fez olhar para o passado ao qual me agarrava e questionar se realmente precisava dele. Só que no fim, quem soltou minhas mãos, foi você. Não tinha mais em que sustentar minhas certezas​. Perdi o chão e as minhas asas.

Espero que não fique triste ao pensar nisso. Só queria que soubesse que algo seu vive, intacto, naquele lugar que construiu em meu coração, e isso me torna alguém melhor. Ainda que tudo passe, assim como nós dois. Em algum lugar no tempo fomos nós. Em algum lugar no tempo ainda somos.

domingo, 26 de agosto de 2018

Coisa Estranha


Ph: Via Pinterest


É estranha essa coisa de pertencer a alguém, não digo no sentido de posse ou obsessão. Isso é outra coisa. Também não falo de sexo, de entregar o corpo para outra pessoa em nome de um prazer mútuo (ou não) e momentâneo. Falo sobre pertencer de forma mais profunda, em energia, ligação de alma, sabe?  Amor, amor mesmo, que a gente constrói nas minucias, delicadezas de manhã em manhã. Nas renúncias silenciosas e escolhidas. Sim, escolhidas,  porque ninguém é obrigado a abri mão de nada por outra pessoa e se o faz, nada tem a ver com o sentimento que Eros. 

É estranha essa coisa de estar preso a alguém estando completamente livre. De poder ir e vir, por onde for, conhecer o mundo, e sempre querer voltar, sempre querer ficar. E não falo de lugar no sentido físico da palavra, falo de lugar como abrigo emocional representado pelo peito de alguém. Falo sobre querer ser o lugar de alguém, ser o melhor lugar pra alguém por nada além de amor.

É estranha essa coisa de se encontrar em alguém e não se perder de você mesmo. De se reconhecer em gestos e gostos que não são só seus, não necessitar de vocabulário rebuscado para descrever o que está evidente nas atitudes, olhares e beijos. Entender o momento de calar ou de confrontar. Se ver na dor de alguém e fazer o for preciso para ser a cura. 

É estranha essa coisa de amor, de não saber de fato o que ele é mas ainda assim, compreender o que ele não é. Se fazer grito, voz, música, silêncio ou breu. Pertencer, se prender, se encontrar, e transformar a vida em um conjugar de verbos na primeira pessoa do plural. Desejando que seja infinito, ainda que não seja eterno. 

É estranho quando um sentimento eterniza alguém em nós ainda que ele já tenha passado, seja passado, estranho como ele torna beijos, carinhos, abraços e presenças, insubstituíveis. Como constrói lembranças para acalentar dores, como reaviva saudades para relembrar importâncias. 

Acho que no fim das contas, amar alguém é abraçar toda estranheza e se despir de certezas. Se permitir estar preso, abrigar, ser livre, ser lugar e ter um lugar. Ter a certeza de que em um mundo repleto de possibilidades, de gostos, sexos e sorrisos, um deles é fatal. Saber que entre esses benditos sorrisos, um foi feito para te destruir por completo, fazer de você o que bem quiser.  Ah, isso sim, meu amigo (a) é pertencer a alguém. 

Quando essa pessoa chega, nenhuma boca resiste,  não há sentido que duvide da verdade que mora na expressão: "Sou seu/sua."

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Partida




Com olhar angustiado, ela confessou seu desejo de partir. Falou das dores de não mais sentir, de não mais querer, de não mais amar. Falou também do cansaço que minhas teimosias fizeram nascer, das mágoas que meu egoísmo insistia em perpetuar... Minha imaturidade, dependência emocional e falta de empatia.
"Você nunca enxergou a minha dor"- disse, sussurrando.

Senti raiva. Como poderia me atribuir tamanha infelicidade?Como poderia se dizer tão ausente de amor, se a cada manhã ela me sorria e beijava a boca? Como? Se em cada erro ela me oferecia um abraço e perdão. Se, na cama, seu desejo me pertencia.  "Você nunca me amou." - Respondi, acusando.

Com o grito sufocado,  ela fez as malas. Nelas, colocou as poucas peças que precisaria levar. Deixou pra trás as roupas de festa, sapatos e acessórios. Deixou perfumes,  maquiagem e jóias.  Os objetos que a presenteie. Fotos, cartões e livros. Ela deixou também as lembranças, deixou o cheiro, o vazio na cama... Levou meus sonhos, viagens, possíveis filhos, família. Levou meu amor.

Com o peito dilacerado, entendi. Cada sorriso que ela me dava era tudo o que ela gostaria de receber. Que escondia suas dores porque eu não era capaz de acolher. Que me perdoava porque me enxergava muito melhor do que eu poderia ser. Me amou muito mais do que eu merecia.

Não pedi que voltasse. Não pedi que me perdoasse. Finalmente,  compreendi o quão injusto seria mantê-la em uma casa que deixou de ser lar a partir do momento que  desabriguei o amor para acolher o meu eu.

Chorei por mim e por nós. Chorei pelos anos que neguei à mulher da minha vida a reciprocidade capaz de nos nutrir. Chorei por não ter visto nosso elo se romper. Chorei até adormecer e acordar sozinho. Condenado a conviver com única coisa que me restou: o vazio de uma ausência.

domingo, 5 de agosto de 2018

Cura



Tínhamos tudo para não sermos nada. O momento não parecia propício para nos darmos "ao luxo de amar". Carregávamos corações calejados, experiências dolorosas e descrença, sobretudo da capacidade de ser feliz. Mais do que escolha, a solidão se transformou em armadura pesada, evidência da nossa covardia. Doía sim, antes essa dor de ser só do que a dor de ser um com quem não é ao menos a metade. Assim, do amor éramos sobreviventes.

Sobrevivi a casa feita de afeto mas sem alicerce, que na primeira tempestade não era nada mais do que ruínas. Sobrevivi a promessas vazias e sorrisos falsos. Sobrevivi a mentiras, traições, enganos. Sobrevivi as inúmeras "mais uma chance" dadas a quem jamais mereceu. Sobrevivi a despedidas inesperadas, abandonos repentinos...

Não foi difícil compreender seus lamentos, conhecia a estrutura daquela dor. Tinha tanto de mim em você, que a primeira impressão foi, alívio. Pode parecer um tanto quanto egoísta, mas, tua dor fez com que eu não me sentisse sozinha. Todos os outros que tentaram se aproximar, não me alcançavam, porque não compreendiam, ou não queriam compreender, o que era o amor pra mim. Você sabia, você sentia: Amor era uma cicatriz que ainda causava dor.

Nossas Almas se abraçaram. Desse gesto se fez força. Em nossa armadura, surgiu uma fenda ínfima, quase imperceptível. O "quase" era tudo que precisávamos. A paz entrou, limpou toda a bagunça que o passado fez.  Tirou a poeira da palavra alegria e acordou a esperança que,  prontamente, abriu a porta, convidando o antigo inquilino para entrar : "Amor, quanto tempo!? Bem vindo de  volta, espero que dessa vez não se retire tão cedo."

O que antes era cicatriz, se fez cura. As mãos que vazias buscavam onde se apoiar, agora, se esparramam no enlaçar dos dedos ,no percorrer dos corpos. Corpos que se pertencem em liberdade,  que se completam em intensidade, e sobretudo, que se protegem em amor.

À vida,  nossa gratidão por ignorar todos os avisos de perigo, por teimar em nos enxergar em nossos abismos e por nos fazer enxergar a nós.  Nossa gratidão por nos ensinar a sermos inteiros em nossos pedaços. Gratidão...

Meu sorriso, já não esconde dor, hoje ele é um pedaço seu morando na minha boca, uma fotografia breve daquilo que somos nós : todo sentido da palavra "felicidade". 

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Amor mal contado



Desisti e pensei que não conseguiria lidar com o que viria depois disso. Pensei que não fosse suportar olhar para o celular e não ter mensagem sua. Sentir saudades e não poder te dizer. Te olhar do outro lado da calçada e não te chamar para me dar um abraço. Pensei que não conseguiria passar um dia sem chorar a sua ausência. Pensei que não saberia o que fazer com o vazio que ficou depois da minha decisão. 

Lembro e ainda sinto o peso de cada lágrima que derramei naquela noite, ajoelhada no meu quarto enquanto repetia para mim : " Acabou, acabou..." Doeu, doeu porque eu sempre acreditei em nós, tinha alguma coisa no seu sorriso que dizia o quanto éramos um do outro; Tinha alguma coisa em nosso abraço que nos fazia sentir um só. Tinha alguma coisa, que a gente nunca teve coragem de descobrir exatamente o que era. Doeu te deixar ir embora, mas doía ainda mais te ver perto e indeciso.

Faz muito tempo, eu sei. Mas ainda penso "E se tivesse dado certo?", " E se por acaso a nossa vida muda e a gente se esbarra de novo?". Eu ainda penso em Amor quando escuto seu nome, eu ainda penso em você quando escuto "saudade". Mesmo que os anos tenham amenizado, sua falta é presente e sim, dói. A maturidade me trouxe novas carcaças, me fez seguir com um sorriso nos lábios enquanto carrego esse vazio no peito. Me fez domar meus impulsos, controlar meus passos, reformular meus sonhos. Me refiz, mas ainda penso " E se não fosse preciso?"

Te escrevi muitas outras cartas além daquela de três páginas, dizendo que meu amor existia, não te aprisionava e te ver feliz, ainda que longe de mim, era melhor do que te ver sofrer. Não disse isso para parecer poético, você sabe que cada uma dessas palavras me dilacerou. Você sabe que quando me olhou nos olhos respondendo: "Hoje eu não posso te oferecer o que você espera. Não vou dizer que nunca acontecerá, mas hoje eu não posso." que eu quis ficar, esperar, lutar. Você sabe que nada me doeu mais do que dar o último abraço, dizer "Eu te amo" baixinho e ir.

Por muito tempo foi difícil me dar a outros beijos, querer ficar em outros abraços, desejar outras companhias. Por muito tempo foi difícil não me ver sendo sua, ainda que de fato nunca tivesse sido. Foi estranho andar de mãos dadas com outra pessoa, deitar em outro ombro quando viajava de ônibus... Me habituar a outros perfumes, costumes e manias. Foi estranho me ver sumindo junto com você.

Ainda me pergunto por que a gente se quis para nunca se ter. Por que o encontro e a afinidade tão forte, as vontades confusas, o medo e covardia. Ainda me pergunto se a gente só tinha que se conhecer para se despedir e ser saudade um na vida do outro, pra sempre. Ainda me pergunto e seríamos mais felizes do que somos hoje, se estivéssemos junto. Ainda me pergunto se aquele "adeus" não foi um "tchau" e teremos uma segunda chance... (tenho medo da resposta).

No meio de tantas palavras e histórias sem sentido, ainda me pergunto se seríamos, um dia, uma história de amor. 

No mais, continuo te querendo feliz, ainda que assim, tão longe de mim.









segunda-feira, 9 de julho de 2018

Carta Para o Futuro



Daqui 10 anos queria que você olhasse para mim e se orgulhasse, que tivesse as respostas que você tem procurado até hoje. Pode parecer muito tempo e a incredulidade te faz pensar nas infinitas (im)possibilidades que te cercam. É difícil lidar com as expectativas frustradas, não é?  Não era bem assim que se imaginou alguns anos atrás. O sucesso não veio, o equilíbrio emocional também não. Os filhos, a casa, cachorro, viagens, títulos... Nada. Olha bem para as suas mãos, elas estão vazias. 

A vida parece acontecer a sua volta, enquanto você, inerte, se sente levado pelas circunstâncias, arrastado pelos fatos, suprimido pelas doses de realidade. É como estar lutando contra um mar revolto e, depois de perder as forças lutando, se entregar parece ser a única solução. Nesse momento, os sonhos parecem duas bolas de ferro, imensas, amarradas aos pés, abrir mão parece ser a única alternativa.

O tempo não tem piedade, não espera a oportunidade certa para te fazer feliz. Ele não quer saber se você não se sente preparado, se você tem medo, se você não tem forças, se você tem dificuldades. O tempo simplesmente acontece e leva um pedaço do que é seu a cada instante. Talvez por isso essa sensação de que tem algo em ti que se esvazia a cada dia delegado, a cada objetivo renunciado, a cada vontade reprimida.

Vai ser doloroso ouvir isso, não é para piorar sua sensação de derrota. Um dia vai me entender. Nada vai melhorar de hoje em diante, nenhuma "pedra no seu caminho" se transformará em flor, nenhuma mão se estenderá para te tirar desse lugar onde você se colocou. A oportunidade da sua vida não vai bater a sua porta amanhã cedo. A pessoa que você sonhou ser não vai "matar" essa criatura refletida no espelho agora. Me escuta: Agora, sou essa inquietação por mudança que tenta resistir ao seu pessimismo.

Acorda! Não delegue aos outros a felicidade que você sabe que tem capacidade de conquistar. Não adie atitudes custosas por medo do desgaste ou do fracasso, muito menos camufle sua insatisfação com uma paciência pelo "dia certo". Você não vai conquistar tudo que quer, mas por favor, lute para conquistar além disso. Joga esse orgulho fora e encara o que tem de bom, reconhece as porcarias acumuladas. Se renove antes de perecer.

Como eu disse, eu quero que olhe para mim daqui uma década e que sinta orgulho. Recordando dos momentos difíceis e se orgulhando das vezes que foi capaz de reerguer. Se o sucesso não vier como acha que deveria vir, aceite e construa o sucesso que você merece receber. Nunca, nunca se acomode ainda que todos ao seu redor digam que tem tudo, que podem te dar tudo. Ninguém pode. O que é seu, o que você quer e pode conquistar, precisa vir das suas mãos, do seu suor e você sabe disso.

Nada vai melhorar, digo novamente. O que eu quero é que você entenda que só tem uma chance de existir, e isso depende do hoje, do agora, do que você vai fazer com essa vontade de viver tudo e a sensação sufocante de nunca ter feito nada em prol disso. Eu só vou existir se você suportar, se seguir, se lutar por isso. Daqui a 10 anos espero por você. E espero me orgulhar quando finalmente ver você no reflexo do meu espelho. 

Por favor, não me decepcione, outra vez.

domingo, 24 de junho de 2018

Sobre O Que Eu Ainda Não Sei




As pessoas costumam relatar o encontro de almas como algo repentino decorrente de um evento, um encontro inesperado, um esbarrão no meio da rua ou em uma festa, um convite em rede social. Nós somos atípicos. Quanto tempo nos conhecemos? 10, 15 anos? 10 anos só sabendo que o outro existe. Dias, meses, anos, somente com uma sensação estranha de simpatia e raramente, por educação , cumprimentos.

Até que repentinamente, ser cordial não bastava, eu queria mais e você não parecia discordar. Uma inquietação que surgiu não sei quando, nem de onde. Um conforto há tempos não sentido, acolhimento, se é que posso chamar assim. Você, seu sorriso e todos meus planos de vida ruindo. 

Desde então, carrego essa insatisfação, identificando coisas que antes não era capaz. É assustador, mais ainda, a liberdade que sinto para a  proximidade, a afinidade, como se tivéssemos trocado confidências, construído intimidade e compartilhado vivências... Assustador, olhar para sua boca e sentir que já senti o gosto dela, precisar do seu abraço e saber que o abrigo que preciso está nele sem nunca ter morado nele. É assustador, me sentir tão em paz só de saber que você pode estar perto. Meu "melhor amigo", um desconhecido.

Me pergunto quando o "oi" se transformou em tudo isso. Quando que ter você no meu dia a dia se tornou tão importante pra mim, quando que me fiz tão sua assim? Onde foi que eu me perdi? E qual motivo me faz acreditar que posso me encontrar em você? O que fez... Que loucura é essa insistindo em não pedir alicerces ou certezas? Por que você? Poderia ser qualquer outro, não poderia? 

Desnorteada, sou o conflito entre instinto e razão. Certa de que você também se sente próximo a mim, concomitantemente, convicta de que me deseja ainda mais distante do que estou. Me mostro, me achego, sentindo o ridículo me manipular. Falo sem pensar, falo mais do que deveria, omitindo o que gostaria, mas , falo sobretudo, munida da esperança de que minhas palavras alcançam ou despertam esse sentimento que nos faz familiar um para o outro. Esperança que rapidamente se esvai, quando seu silêncio me açoita com golpes de realidade. Também me calo.

Me calo e te observo de longe, estudo seus gestos, me vendo em alguns deles, te compreendo. Cuido de cada pensamento que te dedico, converso com sua foto, canto e brigo com você. Te chamo quando some, e não houve um só dia que não me ouvisse (ainda insisto na coincidência dos fatos, para não confrontar meus medos). Sumo ansiando te ouvir chamar.

Quero você perto e nem sei o motivo. Quero te mostrar meu mundo e o quanto é bom estar nele, pressentindo que já esteve nele desde sempre. Imagino a gente se beijando no banho ou , na sala de estar, fazendo cafuné, como se fossem lembranças e não um desejo. Meu corpo lembra de você e o encontro que tanto quero, talvez, seja a forma que eu tenha de confirmar que o que eu sinto é saudade e não vontade. Não, eu não acredito em vidas passadas, mas sabe, é tão forte a certeza de que nossas vidas marcaram um reencontro para todas as vidas que viriam...

Talvez, eu esteja enlouquecendo, ou apenas despertando para o que eu ainda não sei que sempre existiu para ser Amor. E o que eu te peço é que nesse, ou em qualquer outro instante que nos for permito, você me receba com seu melhor sorriso.  Assim, eu vou saber que sempre foi você, que sempre será nós dois.

domingo, 17 de junho de 2018

Sentença


Ph: desconhecido (via Pinterest)

...
O que você quer de mim? Me fala. O que mais te falta? O que eu não fiz por você? Fala, onde estão os meu erros. Me mostra o porquê desse descontentamento, o porquê fazer pirraça te parece mais viável do que conversar. Como se amar você fosse uma obrigação só minha. Como se dizer sempre "sim" fosse meu único dever. 

Hoje você pode se jogar no chão, espernear, gritar, "fazer bico", pode fazer chantagem, pode me xingar... Não vou pegar seus caprichos no colo e dizer "sim, senhor, como quiser". NÃO VOU. Pode te doer ver suas vontades e caprichos confrontados, mas senta aí e me ouve.

Sabe quantas vezes a minha vontade precisou morrer para que a sua prevalecesse? Muitas. E fiz tudo isso com sorriso no rosto. Sabe quantas vezes eu carreguei minhas dores em silêncio em nome da sua felicidade? Sabe quantas vezes abri mão de sonhos, projetos e oportunidades para ficar do seu lado? Não, não é? Você não sabe. Não sabe porque nunca se interessou em saber. Afinal, o que são meus sentimentos quando tudo que importa são os seus, né?

Reconheço minha parcela de culpa em alimentar esse seu ego infantil, em não te negar o que queria te negar, por priorizar o seu sorriso ao invés do meu. Reconheço meu auto abandono ao viver, por tantos anos, te dizendo sim e me dizendo não. Acontece que eu cansei e se esse amor que você diz sentir tiver um ínfimo traço de verdade, vai ter que entender que eu não nasci para a manutenção constante do seu bem estar. Não nasci para te fazer feliz, não. Tá me ouvindo? Tô largando aqui, diante de você esse peso.

Não vem me acusar de frieza, falta de amor ou abandono. Cada lágrima dolorosa que eu chorei por você , nas inúmeras madrugadas, ainda estão vivas em minha memória. Cada palavra dura que recebi e me calei, cada incompreensão, cada mentira, cada traição... Está tudo aqui e ainda assim, eu cuidei de ti da melhor maneira que eu podia. Te ofereci colo, abraço, cafuné e calor. Sempre fui inteira pra você, a ponto de doar o amor próprio que era pra ser meu. 

Você quer mais...por mais que eu te dê tudo que eu posso, nunca é o bastante. E isso me dói, me afasta. Cada vez que a cobrança vem, eu penso no quanto me custa cada gesto que você trata com desdém. E eu choro, me encolho...Cada vez mais, eu quero fugir. Você me cobra cada vez mais e com isso eu desejo ser cada dia menos. Estou exausta, exausta. Se fico, se ainda fico, é porque o amor resiste. 

O que resiste, te sinaliza o que precisa se transformar. Estamos por um triz e enquanto você ignorar meu descontentamento, chamando de drama aquilo que só dói em mim, a chance do rompimento aumenta. Por mais que algo em mim ainda seja forte para permanecer aqui, isso não será para sempre, é iminente, vai acabar, desgastar. Me escuta, pelo menos uma vez na vida, se coloca no meu lugar.

Seja para mim o que você espera que eu seja para você. Me deixa ser quem eu sou, ter meus sonhos, viver minhas vontades e aceita que nem todas vão te incluir. Não significa que é menos amado por isso. Ter meu espaço não significa que não aprecie o nosso, querer uns dias comigo não significa que eu não queira a sua companhia. 

Somos dois seres inteiros. Por favor, me tire esse peso de cuidar da sua metade, de preencher seus vazios, eu já me atrapalho tanto para lidar com os meus. E eu quero que você se ame também, tanto e a ponto de entender que você não precisa do meu amor. A gente não depende um do outro para encontrar sentido na vida, a gente se escolheu para construir bons momentos juntos, o que não quer dizer que só serão bons se estivermos juntos o tempo todo.

Por favor, me solta. Me reconhece como um ser semelhante, em dores, em vontades, em necessidades, em contrariedades e faltas. Me segura em seu abraço, mas não me sufoca em suas carências, eu não vou suportar. Por mais que eu me esforce, não vou suportar. Entende que no dia que nosso Amor deixou de ser substantivo abstrato para se tornar verbo, isso não te concedeu direitos sobre quem eu sou. Não sou propriedade sua, nem você minha. 

Entende, que eu não posso te dizer somente sim. Não posso vestir as suas intenções, por melhores que elas sejam, nem viver todos os seus planos porque você entende que eles são melhores para nós dois. Entende, eu não quero que pense por nós, decida por nós, construa por nós, em nome do Amor. Estamos juntos, ouviu, juntos. Às vezes, vou te dizer que não posso, não quero ou não vou.

Vou ter projetos individuais, vou pensar algo diferente. E isso também não terá que prevalecer a todo momento. A única coisa que eu quero é a liberdade de viver esse amor com leveza. De podermos, juntos, construir nosso alicerce no meio termo, carregar nossos pesos de forma equilibrada.

Tudo que fiz e faço é com todo amor que posso, ainda que em alguns momentos, não enxergue isso (não reconheça). Faço o melhor que eu posso, sinceramente, com o que eu tenho. Não me atribua uma culpa que não me cabe. Não me magoe mais do que já magoou até hoje.

Quero ser feliz, será que isso é demais? Quero felicidade genuína e não sei como isso será possível sem equilíbrio. Então, de agora em diante é assim que precisa ser. Eu fazendo tudo por mim, você fazendo tudo por você, nós dois cuidando de nós.

Cansei de respirar fundo, engolir minhas dores. Eu vou gritar. Escuta meus gritos antes que a única coisa que você tenha seja o silêncio. Ou você aprende a me amar em liberdade, ou sua sentença será a solidão. 

domingo, 10 de junho de 2018

N(AMOR)AR

📷 Victor Moura 
Lembro como tudo começou. Foi um olhar e nele a certeza de que nossas vidas seria uma a partir de então. (Se acreditasse em vidas passadas diria que foi um reencontro).

Estranhos, fora do convencional, não começamos o Amor pelo toque, começamos pela palavra. Conversamos por semanas, meses... Fascinados por cada descoberta que fazíamos mutuamente. Sem jogos, sem máscaras, sem falsas promessas.

Não tínhamos nada a oferecer um para o outro. Nada além de vivências passadas dolorosas, medos que nos paralisavam e vontade de ser feliz. Talvez por isso escolhíamos o hoje para não fugir do amanhã. Não foi impulso, foi escolha. Nos escolhemos um dia de cada vez. 

Imaturos, inseguros, intensos... Inteiros. Vencendo os medos e cumprindo a promessa de construir felicidades um no peito do outro. Sorriso a sorriso, afago a afago. Contudo,  ainda falhos,  errantes,  cruéis.

Até que se escolher não era tão fácil, conforme os anos passavam. Junto as melhores lembranças construídas haviam coisas das quais o esquecimento seria bem vindo. Junto aos sorrisos, algumas lágrimas, mágoas e rancores. 

Mais maduros, menos inseguros, ainda intensos... Um pouco quebrados mas ainda juntos.

Por inúmeras vezes, me perguntei o porquê desse "ainda juntos". Porque agir como se não tivéssemos outra escolha quando temos? Tantas outras opções nos cercam, nos tentam e nós continuamos. Como quem navega em um barco furado e escolhe não pular...

Entendi, em um dos tantos conflitos, que é exatamente isso que o Amor faz: 'ficar quando se pode partir'. E não é ficar por comodidade é ficar por esperança. Entende? Se o navio afundar, é possível continuar, nadar com alguém em busca de terra firme. Agora, se o amor partir, nada mais poderá ser feito.

Não estou aqui para te dizer o que é o Amor é muito menos o que ele não é para você. Só quero te dizer que nenhum deslumbre, frisson ou tesão vai te sustentar quando a tempestade vier e você não souber pra onde correr. Que só quem te amar por completo vai te aceitar e te querer sem te classificar como um "contatinho a mais" e uma transa gostosa.

Você pode ser solteiro (a) e ser feliz(não estamos falando disso) mas se escolher um relacionamento que seja por amor. Namorar é bom , amar é melhor.

Cultive quem faz questão de ficar. Quem te ama, te cuida, te protege e te entende. Porque para te desejar podem existir muitos, para fazer o teu amor de lar, não.

Se estiver difícil e sua escolha for não abandonar o barco, que tal começar  lembrando como tudo começou?

domingo, 3 de junho de 2018

Contradição

Imagem: via Pinterest


Você não sabe, mas passo a maior parte do meu dia esperando pelo anoitecer porque só quando adormeço é que alcanço paz. Só nos meus sonhos eu sou capaz de lidar com todo esse alvoroço que abrigo. Só assim, oniricamente, sei o que fazer (e posso). 

Você não sabe mas sou uma contradição. Fugindo e te chamando desde o nascer do sol até a penumbra e sinto raiva. Raiva de tudo, principalmente, de mim. Por perder tanto tempo lutando, por perder tanto tempo te querendo, por me render e te dar espaço na minha mente para que você fizesse toda essa arruaça, por me dizer tão racional e ser nocauteada por um sorriso. (Pqp, um sorriso!)

Raiva de mim por sentir sua falta quando você some, por não conseguir olhar para sua boca e não conter cada pensamento impuro que nasce e me faz queimar por dentro, olhar pra cama e não conjecturar todas as formas que poderíamos preenchê-la. Raiva de te desejar assim, tanto, sendo você tão pouco. Tudo bem, tem ressentimento aqui acrescido a todo sentimento que já descrevi e como tantas outras coisas, não dependem de quem é mas da imagem fluida que concebo a seu respeito.

A culpa não é sua. Nunca foi, O que eu não sei é o que vou fazer. Sabendo que embora eu queira me livrar, você ainda é o que eu mais quero ter. Acredito que esteja bem claro, perdi toda sensatez construída ao longo dos anos. Errado e Certo deram as mãos e estão me sufocando.

Às vezes, tenho a plena convicção de estar a um passo da loucura, resisto. Canto, choro, oro, escrevo... Em silêncio, peço socorro, temendo que você escute e resolva "ajudar". Desejando que me escute e venha me ajudar. Que ouça meus pensamentos e invada meu banho, sem dizer nada até saciar cada desejo meu. Que depois me abrace apertado e diga que entende quando grito "não" te querendo perto. 

Você também não sabe, mas meu maior medo é que decifre os dilemas que vivo e queira, me queira também, que se encante por essa bagunça que eu sou e se sinta instigado a ficar. Você não sabe mas meu maior medo é que você nunca me queira.

O coração acelera a cada frase concluída, a cada pensamento exposto, a cada chance de ser descoberta nas entrelinhas. Apago, recomeço, descarto. Contudo, escrevo... Escrevo como se soubesse. Aterrorizada com cada possibilidade de que saiba. Ansiando pelo dia que saber não faça mais diferença, que nossos dias sejam de paz e que você me faça sentir que nada mais importa. 

Nada mais, além do que você e eu sabemos.




domingo, 27 de maio de 2018

Asas e Ninho






"Como você pode ir embora desse jeito?  Não percebe que preciso de você? Precisamos um do outro." - E foi assim, com essa sentença, que eu vi pessoas saindo da minha vida sem explicações, compreensão ou chances de recomeço. Eu não conseguia entender como uma relação onde tudo era tão intenso, acabava e que a simples necessidade da presença do outro era percebida somente por mim.

A duras despedidas, custosas saudades, dolorosas faltas que a vida foi me ensinando que precisar de alguém não é uma face bonita e saudável do amor (amor?). Foi me deixando sozinha e com a sensação de desamparo que a vida me ensinou sobre auto abandono, auto suficiência... Foi me deixando longe de quem eu acreditava precisar, que ela me ensinou o quanto eu estava distante de mim.

Cada vez que era "abandonada" não era só quem partia que me fazia doer, era a expectativa de felicidade que entreguei nas mãos dela, era minha idealização de relacionamento perfeito, era minha carência, minha completute... Toda vez que alguém "virava as costas" e ia, ela carregava tudo que eu tinha investido nela.  E a mim restava o vazio. A mim restava o lugar de abandono, de vitimização, culpa.

Foram necessários muitos anos revirando minhas dores, limpando as minhas feridas, encarando minhas fragilidades,meu orgulho... Precisei de todas as porradas que a vida me deu para entender a força que eu tinha e de fato quem eu era. Precisei que o vazio se instaurasse para que eu aprendesse a me preencher.

E hoje, cada vez que escuto "Meu dia não tem sentido sem você" ou "Você me completa" ou ainda "Não sou feliz longe de você", vejo minha liberdade gritar, surge uma vontade imensa de partir. É desesperador. Ter alguém dependente da sua presença, da sua alegria, do seu carinho, dos seus cuidados,para se sentir bem com ela mesma. Tudo isso é sufocante. Agora entendo.

Mas não pense que o aprendizado me tornou imune e completamente auto suficiente. Não é bem assim. Vez ou outra, me pego lutando contra um sorriso que me sequestra ,ou fugindo da euforia de desejar uma presença todos os dias. Vez ou outra, me vejo ali completamente entregue aos devaneios do pra sempre ao lado de alguém.  Certas pessoas carregam o dom de ruir com nossas certezas. Não sou imune.

Como posso vou me equilibrando nessa linha tênue, nesse malabarismo que é se preencher e se permitir ser preenchido. Se libertar sem se deixar perder nas mãos do outro. Como posso vou construindo meu próprio castelo pra morar. Acaso receba visitas, serei uma boa anfitriã, porém, se elas quiserem partir, a porta estará aberta e a solidão não me soará como martírio mas sim como companhia.

Não é possível conjugar o verbo Amar entrelaçado ao Precisar. Amor se enraíza ao que o faz querer voar e não ao que se agarra a seu pés. 

Foi com os pés machucados que aprendi. E hoje, olhando para minhas asas me permito, enquanto ser errante, voar e pousar onde meu sentir chamar. Sendo ninho, tendo no outro também um pouco de lar.

domingo, 20 de maio de 2018

Abraço da Covardia

Ph: Via Pinterest


Ouvindo uma canção sobre Saudade começo a pensar em você. Logo eu que me vejo tão livre assim, sozinha, sentindo saudade de uma presença que nunca tive. Na verdade, tive sim, tenho... E esse é o problema. Você está sempre aqui, revirando qualquer ideia racional que eu tente construir a respeito de nós dois.

Eu sei como seu beijo prende sem nunca ter provado, sei da firmeza das suas mãos sem ter sentido seu toque na minha pele, eu sei da força do seu gemido sem ao menos ter acordado seu desejo. Eu sei que nosso corpo não desejaria outra coisa além de se devorar ; Que minha fome é do tamanho do seu desejo.

Sei que nossa intenção queima e fenece e ressurge e ateia e inquieta...
Sei que você mora nas canções pra eu poder te encontrar sem ter que me explicar pra mais ninguém. Que você vem em melodia suave ou num "batidão" e me leva pra dançar com você. Dançamos nas entrelinhas do querer.

Até casa a gente já tem, sabia? Moramos no silêncio quando em um livro, a história fala de amor, ou de angústia, de ausência, de medo, de encontro... Moramos nas linguagens figuradas que remetem ao sexo e nos contos sacanas, escorremos de-li-ci -o-sa-men-te. (Cinquenta Tons é conto de fadas comparado a nossa cor.)

Me vejo livre assim, sozinha. Você me faz ver nessa liberdade algo que me impulsiona para nós.
Essa coisa gostosa que é "ser nós" ainda que sejamos só e apenas o que somos hoje (quase nada). 

Te vejo também livre assim, sozinho. Brincando de ser carente, pedindo colo e instigando beijos, carícias e sorrisos indecentes. E nada disso me faz esmorecer, sua liberdade não me amedronta ou me deixa enciumada. Te quero tão feliz, menino. 

Não sei se é possível dizer que relacionamentos perfeitos são feitos disso ou daquilo. Mas é possível sentir que não são feitos de algo tão diferente do que somos nós dois nas canções, nos sentidos, nos livros, paisagens, passagens...

Falando assim tudo parece tão simples, tão leve, perfeito. Só eu sei o quanto não é. Talvez você daí também saiba. Por vezes, te vejo recuar a cada tentativa de proximidade. Me vejo também nesses seus passos em falso. É, eu não tenho coragem, ainda não. 

Sei  o quanto o sentimento me preenche, o quanto a cor dos seus olhos adoçam e dão sentido ao brilho dos meus. Sei também que você só sai de mim quando não suporto me calar e te vejo ali no peso de cada lágrima.

E olha que coincidência: "Medo Bobo" começa a tocar. " Ah, esse tom de voz eu reconheço..." Passo de faixa, pra não ter que chorar de novo abraçada à minha covardia.

domingo, 15 de abril de 2018

Pedido Inesperado


Estou ciente que não deveria estar aqui. É inconsequente, imaturo, impulsivo Compreendo isso.  Na verdade, não sei mais o que fazer. 
Nenhuma alternativa que remeta ao silêncio me fez aquietar o coração. O tempo não amenizou, o distanciamento não cessou. 
Todas as vezes que respirei fundo e pensei: "vai passar, calma." não foram suficientes. Não passou. E hoje eu sei que nunca irá.
Por aí você pode pensar que minha vida mudou, de certa forma é verdade mas consegue mensurar o preço que pago? Será que ainda sabe ler nos meus olhos o que eu sinto?
Não consigo sustentar isso. Vou desmoronar e não me resta forças pra me reconstruir Dessa vez não. Sozinha não posso mais.
Então​, por favor, não me açoite com o passado. Não é hora de cobranças. Será que não vê? Estou aqui, na sua frente. Larguei tudo e a única coisa que te peço é​ pra me acolher. Cuida de mim,vai. Só você sabe fazer isso.
Me escondo do mundo, sempre fiz isso, foi assim que me encontrou. Isso cansa. Não quero mais. Não quero mais fingir. E quem além de você é capaz de me enxergar como sou e me fazer sentir orgulho por isso? Quem além de você pra ver em mim alguém melhor do que eu realmente sou? Quem além de você pra me dar esperança?
Nossas arestas acertarmos depois. Podemos falar sobre tudo que quiser, sobre cada detalhe dessa história estranha que chamamos de amor. Depois. Agora eu só preciso do seu abraço, do carinho acolhedor que só você sabe me oferecer. Me deixa ficar.
Não te prometo nada. Minha vida está aqui escancarada pra você. Não te peço que faça o mesmo. Por agora, esquece tudo, esquece todos. Me olha, assim, de frente. Pode ficar em silêncio se quiser. Apenas me acolhe.
Não precisa me entender, não precisa me dar razão. Não promete amor. Por favor, amanhã pode volta pra sua vida mas agora, me faz acreditar que a melhor parte de mim não morreu, porque ela ainda mora aí em você.  Me faz acreditar que tudo que morreu aqui dentro de mim foi pra dar lugar para uma felicidade possível.
Por favor.

domingo, 8 de abril de 2018

Além de Você


(Ainda não sei como começar...) Por mero acaso, meio a fotografias, canções e arquivos de pendrive: a gente. Uma emoção me tomou; Palavras se embaralham, se atropelam e nada dizem. Tal qual um novelo de linhas guardado por muito tempo, meus sentimentos confundidos entre si. Ali diante dos meus olhos, uma das nossas primeiras conversas.Eu, amedrontada com tanta demonstração de afeto, recuando, me protegendo - ainda que a justificativa fosse de não querer te fazer sofrer.(Que ironia.) O medo sempre esteve presente em nós. Medo de não conseguir viver tudo aquilo que sentíamos. Medo da vida, do passado, do futuro... Quantas vezes nos perguntávamos: "e se nos perdermos?". Ouvindo aquela canção que sempre será nossa, busco palavras. Quatro minutos abrigam uma história maior do que elas conseguem alcançar. É o sorriso contido, as mãos trêmulas e suando, é o abraço apertado, é o cheiro, é a paz, o abrigo, o alento que a gente precisava depois de tantas tempestades que vivemos. A gente sempre soube que era Amor, mas também sempre soube que seria efêmero um estar na vida do outro. Que era a mão de Deus aprumando as coisas, realinhando nossos sentimentos, nos ensinando,nos conduzindo, amadurecendo. A gente sempre soube, e nem por isso foi fácil dizer adeus quando foi preciso. Como doeu, né? Como doeu saber que sempre estaria presente porém distante, fisicamente ausente, sumindo com o tempo do cotidiano que compartilhávamos, como uma foto que vai desbotando. Às vezes, me sinto assim, uma fotografia antiga, empoeirada no fundo de uma gaveta qualquer. E me recordo daquela promessa de jamais esquecer, de jamais ser o mesmo, de nunca ter amado alguém daquele jeito. Me pergunto se quando algo te faz lembrar que eu estive na sua vida, se seus olhos ficam marejados como o meu, e se esse turbilhão de sentimentos também te afogam. Depois que você foi embora muitas dores me arrancaram pedaços e seu abraço fez tanta falta... Muitos golpes me levaram ao chão e sua mão não estava lá. Muitas apunhaladas me deixaram outras cicatrizes, além daquelas tantas que você pode conhecer e seu carinho não pôde me acolher. Muitas lágrimas rolaram, muitos gritos foram silenciados e você... você nem sequer supôs. Depois que você foi embora pensei em te chamar pra perto, em gritar até que me ouvisse, em ir onde estivesse e propôr recomeço. Depois que você foi embora eu...eu me perdi, não sabia mais quem eu era nem o que eu buscava. Confesso, uma parte bonita de mim morreu. E isso dói, sim. A vida ameniza, o tempo aquieta... e sigo. A história da nossa vida parece se dividir em duas. Quando penso em tudo que vivenciamos durante o tempo que nos foi dado, sinto que a pessoa que você era não é a mesma pessoa que foi embora, não é quem eu vejo hoje, raramente, em uma fotografia. Nela ,tem sorriso, tem abraço, só que... não sei, eu nunca mais vi aquele sorriso em ti. Seus lábios ensaiam, seus dentes estão a mostra. Seus olhos não acompanham, o brilho não mora mais neles. Não é você. Ou quem eu conheci nunca existiu para o mundo de fato, só para mim. Melhor amigo, companheiro, confidente, porto seguro, anjo... Tento me convencer que você é feliz, que hoje tudo que tem ao seu redor é o que sonhou desde sempre. Que é isso que de fato te faz sentir o homem mais feliz (e completo) do mundo. Porque nada justificaria a gente se perder para não se encontrar em algo melhor. Seria injusto demais. Você me disse que seria eterno em minhas lembranças. Que estaria sempre comigo. Hoje, não tenho a menor dúvida disso. Loucura. Pois é. Não resta rancor, mágoa, ressentimento, nada capaz de apagar a minha gratidão. Foi com você que pude estar mais perto de mim mesma, foi com você que pude estar mais perto daquilo que entendo por Amor. Não sei se daí você ainda conversa comigo em pensamento, se me dá conselhos, se pede a Deus por mim. Espero que sim. Se não, tudo bem. Eu sei que sentimentos complicados precisam estar imóveis, soterrados para a gente acreditar que morreram. Lembranças e palavras ainda estão embaralhadas. No fim das contas, ainda que eu não saiba como dizer, nem o que dizer, sei o que elas traduzem: dor, alegria, saudade, morte,lágrimas, gratidão... Gratidão.  Me calo. Ninguém entenderia. Ninguém além de você.

domingo, 25 de março de 2018

Covardia

Ph: Brooke DiDonato

Foi preciso me recolher, me aninhar, retroceder, foi preciso me esconder. Foi preciso me acovardar. 
Eu pensei que a força que continha no meu peito fosse menor do que as rédeas da razão. Quando dei por mim não haviam mais rédeas, e meu desejo desenfreado corria pra você. Ele, livre, não ouvia meus avisos, fingia desconhecer meus conselhos. Me desesperei e corri, corri tanto que minhas pernas adormeceram.

Alcancei a tempo o que poderia me destruir, eu catei o fujão a unha, apresentei-lhe "meia dúzia" de argumentos e fatos; Vi seu fôlego se esvair. Ele chorou. Choramos. Algo em mim queria escutá-lo, algo em mim queimava e queria libertá-lo. Vi minhas energias desvanecendo, a cada soluço. Era uma luta que eu não poderia mais travar sem perder um pedaço meu. E me sentia doer por inteiro.

Agora aqui, recolhida, covarde, sozinha, eu lustro minha armadura, sentindo todo meu corpo pesar, sentindo o vazio gélido me tomar, sentindo meu coração chorar a cada "não" que digo. Foi preciso me render, me deixar inteira nas mãos da razão. Quisera eu, que isso fosse o bastante. Não é. Ao fazer meu desejo refém, aprisionei com ele minha alegria de viver. Desde então, a tristeza pesa mais do que a armadura. Me sinto apodrecer.

Me pergunto se naquele segundo em que meu querer fugiu do olhar reprovador do meu dever, o seu coração ouviu chamar. Se você é capaz de enxergar entre as frestas dessa carcaça que escondo um sentir tão frágil. Se você ouvindo, cogitou atendê-lo. Me pergunto se suas mãos já desejaram me libertar, se sua curiosidade já te fez querer me convidar. Me pergunto se o seu desejo já quis me chamar pra perto.

E me calo...
E choro.
E sofro.

Seu sorriso foi minha sentença. Desde a primeira vez que ele estapeou meu coração, fazendo acordar cada sentido soterrado em desilusões , ficou decretado que a partir de então o que me restaria seria sofrer. Pelo que poderia perder, pelo que nunca poderia conquistar, pelo tanto que eu poderia me perder... Desde então, não importa qual seja a alternativa, o resultado que se apresenta é o mesmo : perda e dor.


Ainda que no fim de cada dia eu ouça meu desejo gritar: "egoísta", ainda que ele não saiba como é difícil mentir pra mim mesma, como é difícil fingir acreditar que sou forte pra seguir... Ainda que ele não saiba que cada anseio meu me leva a libertá-lo, ainda que ele me culpe, eu resisto. Não sei por quanto tempo, resistirei. E cada dia que resisto me perco um pouco mais, me esvazio um pouco mais, silencio mais.

Resisto, fujo, me escondo... te querendo perto, te precisando longe, e quando longe te desejando mais perto. Às vezes, só te quero aqui. Só. Sentindo meu silêncio, me olhando de longe. Às vezes, eu só quero que ouça os gritos que não dou, que entenda minhas fugas, que releve meus ímpetos, que desconsidere minhas pretensões despretensiosas.
No peito o Amor, cansado, sussurra: "Não desiste de Mim, por favor."
Na verdade, eu só queria que você fosse mais corajoso que eu. 

(silêncio...)

domingo, 11 de março de 2018

Amor de Café





Sempre fui livre, um cara que via no desprendimento a filosofia de vida mais coerente com quem eu acreditava ser.Não que fosse misantropo, me acomodava bem ao termo "sociável". Embora assim fosse, inúmeras vezes, o jeito livre de me relacionar fazia com que as pessoas ao meu redor me enxergassem como alguém egoísta e solitário.Amava, me apaixonava, mas o pronome possessivo era inexistente, ele era incapaz de acompanhar meu nome. Era feliz assim. Acreditava ser.

Outono,fim de tarde, a paisagem já me antecipava transformações vindouras. Porém, distraído, acreditava que aquele seria só mais um mês de Maio. Eu caminhava imerso por outro mundo, tendo grudado as minhas orelhas um par de fones no último volume. "Porque mistério sempre há de pintar por aí..." - cantava, Gilberto Gil.  Minha distração me impediu de ouvir os trovões anunciando chuva, quando dei por mim as gotas já tocavam o meu rosto. Corri, buscando um lugar para me abrigar.

Encontrei uma cafeteria, era o lugar perfeito e aparentemente, agradável. Café quente para despertar o corpo encharcado por águas pluviais. Sentei-me a mesa, pedi um café expresso com pouco açúcar. Pensei em acessar minhas redes sociais pelo celular enquanto esperava o meu pedido chegar,mas a bateria havia terminado. Fato que me deixava desconfortável, momentaneamente.

- "Senhor, o seu... Sua desastrada! Por acaso é cega?"  (Uma moça tropeçou e derrubou a atendente que me trazia o café.). - "Me desculpe, trarei outro café para o senhor", disse a funcionária da cafeteria tentando simular a irritação pelo ocorrido.  Sorri e disse : "está tudo bem" . A moça desastrada, levantou-se rapidamente e direcionou-se ao banheiro, possivelmente para se recompor. 
Já apreciando meu café, sinto um toque leve no meu ombro esquerdo:

"Gostaria de me redimir pelo seu café desperdiçado." . 

"Que isso, não é necessário. Sente-se, me diga, qual seu nome?"

"Laura, a moça desastrada se chama Laura..rs" - me disse com um sorriso desconcertado. - " Deixe-me pagar o seu café, por favor, senão passarei o resto da tarde culpada pelo que houve."
"Tudo bem, pague o café e me faça companhia. Assim estaremos quites".


Conversamos por horas. O incidente rendeu uma ótima tarde. Fiquei intrigado com ela, se é que essa palavra cabe ao que senti. Foi um estranhamento, algo em mim se acomodou, e não foi a sensação do café quente que abraçou meu corpo molhado, era a voz dela que alcançava alguma coisa em mim. Eu ainda não sabia mas nesse dia eu  conheci o par de olhos que me enlaçariam para o resto dos meus dias.

Ao cair da tarde, nos despedimos e pedi o número do telefone dela, que para minha surpresa, recusou. Anotei o meu número em um guardanapo e entreguei a ela. Dei um beijo no rosto ruborizado da bela moça e sorri.
Fui pra casa, tomei banho, preparei meu jantar como habitual. (Acredite, morar sozinho faz um homem aprender a se virar bem.) Escolhi um filme e deitei na cama. Eu, que sempre me senti confortável com aquela condição me vi solitário. A cada notificação no celular, a expectativa de que uma delas fosse de Laura. Mas não.. Adormeci.

Dias se passaram, voltei inúmeras vezes à cafetaria na esperança de reencontrar com a moça desastrada novamente. Todas as tentativas foram inúteis, o que me deixou frustrado. Na verdade, me sentia ridículo por não saber o que buscava em Laura e mais ainda por me frustrar ao não encontra-la. Decidi atravessar a rua todas as vezes que passasse pela cafeteria daquele dia em diante. E assim fiz.


Naquela noite haveria a inauguração de uma livraria para a qual eu trabalhava como publicitário, qualquer pensamento que não fosse relacionado ao trabalho, estaria descartado. Chegando ao evento, percebi que o celular ficou em casa, provavelmente, esquecido em cima da mesa da cozinha. Voltei para busca-lo.

Já com o celular em mãos, entrei no carro com pressa, só tinha 10 minutos para chegar a livraria. Quase chegando ao destino, o sinal fechou. Um casal discutia enquanto atravessava na faixa logo a minha frente. A mulher chorava enquanto era puxada pelo braço. Era Laura, embora fosse difícil aceitar que aquela criatura acoada como um animal era a mesma pessoa que conversou comigo naquela cafeteria. Desejei sair do carro, dar um soco na cara daquele idiota e coloca-la dentro do meu carro, leva-la comigo.O sinal abriu e os motoristas impacientes, que estavam atrás de mim, buzinavam. Acelerei e segui para a livraria.

O olhar perturbado de Laura não saia do meu pensamento. Antes que o evento terminasse, inventei uma desculpa qualquer e fiz o caminho de volta para casa. Vagarosamente, olhava para cada canto da rua, esperando ver Laura. Não vi, nem ela, nem o homem que a agredia, nada. E o vazio em meu peito aumentava, me sufocava. 

Em casa, inconformado, me joguei no sofá e chorei. De raiva, de medo, de impotência, de tristeza... Chorei como nunca havia me permitido chorar. Adormeci meio a lágrimas. Meus olhos pesados, custavam a se abrir, a luz da tela do celular perturbava a visão. Quando me dei conta, percebi que era uma ligação que insistentemente fazia a tela se acender. Mal vi o número de quem ligava, arrastei a tela e com a voz ainda rouca disse "oi". "Fernando, é a Laura" - disse . A frase me fez saltar do sofá como se um balde de água gelada me tocasse a face.



- "eu vou te buscar, eu vou te tirar daí. Me fala onde você está, Laura?"
- " Me buscar? Do que você está falando?"

- " Laura, aquele homem estava te machucando.. eu vi. Quem é ele?"
- " Fernando, estou te ligando pra dizer que foi muito bom te conhecer. Ainda que tenhamos conversado apenas algumas horas, foi libertador. Te conhecer foi minha libertação, não se esqueça nunca disso. Tenho que desligar."

Nenhuma das minhas perguntas foi respondida. O silêncio se fez. E em minha mente as palavras de Laura me soavam como uma despedida. E pela cena que presenciei, o tom da voz dela ao telefone me desesperava ainda mais. Agora eu tinha um número de telefone para o qual poderia ligar. Retornei a ligação, mas ela não me atendeu. Repeti o gesto por dias e só ouvia o bipe sinalizando a caixa postal. Não poderia viver como se nada estivesse acontecendo, Meu Deus! Mas vivi, por 5 anos. Acreditando que o pior tinha acontecido, por covardia minha.


Fui morar em outra cidade por motivos profissionais e também por não conseguir me desvencilhar do peso que a lembrança de Laura me causava. Me acomodei em uma casa que por muitos dias parecia grande demais para mim, mas do tamanho exato da minha solidão. Eu mudei, o homem livre, desprendido, com sede de vida, se transformou em um outro, calado, introspectivo e triste. Apenas um hábito se mantinha. Todas as tardes eu caminhava.

Em uma dessas tardes, quando voltava pra casa, a música que ouvia foi interrompida pela chamada em meu celular. O número era desconhecido, deixei para retornar quando chegasse em casa. Cheguei, fiz café e sentei-me à mesa para fazer a ligação para o número desconhecido. O cheiro de café me trazia boas recordações. 

- "Alô"

- " Será que você pode me convidar para um café? Dessa vez, você paga." (risos)

...
- "Alô, Fernando, você está me ouvindo?"
- "Sim, Laura, sim..." (meu coração sentiu como um soco, um soco desfibrilador.)
- " Amanhã para você está bom? Na nossa cafeteria?"
- "Sim, está..." 
- "Até amanhã, beijos"


Não fui capaz de esboçar qualquer tipo de sentimento. Não fui capaz de questionar, de me revoltar, de exigir explicações. Só desejava ver a noite se esvair para que o amanhecer trouxesse a esperança de volta para mim. Não pude esperar até o dia seguinte, voltei para a cidade onde conheci Laura. Estacionei em frente a cafeteria e permaneci.

Amanheceu. Um pouco mais equilibrado, me recompus e liguei para Laura. Antecipamos o café da tarde para o café da manhã. Tínhamos muito o que conversar. 

Reencontrar aquela mulher que eu só vira duas vezes, foi uma sensação indescritível de renascimento.Abracei-a e um silêncio confortante nos tomou. Nada precisava ser dito. Uma lágrima tocou meu rosto e o dela. Entramos na cafeteria e conversamos, como se nunca tivéssemos nos afastado, como se a vida inteira estivéssemos assim, um diante do outro. Como se só aquele momento fosse importante. E de fato, era.

Laura me contou que naquele período em que nos conhecemos, ela enfrentava o fim de um casamento abusivo. E naquele dia, que derramou o meu café no chão ela pretendia se matar. Por não suportar viver mais presa a um homem que a fazia sofrer. Ela se via incapaz de se livrar dele, portanto, se livraria da única forma que achava possível, o suicídio.

Nossa primeira conversa, não acomodou apenas o meu coração, mas trouxe esperança para o coração dela. E viver era a única coisa que Laura decidira fazer daquele dia em diante. Contudo, essa decisão gerou grandes conflitos, sobretudo com o marido abusivo. A briga que presenciei foi decorrente de uma denúncia feita contra o agressor. Foi a primeira tentativa de fuga. Algumas outras vieram, até que enfim, Laura conseguiu se separar.
- "Eu não podia te envolver em todo sofrimento que vivia... Não seria justo. Você era uma pessoa tão feliz com a vida, tinha um jeito tão bonito de enxergar as pessoas, o mundo... Eu não tinha o direito de te tirar isso, Fernando."
- "Tudo isso se foi, Laura. Se foi... Você levou o melhor de mim quando sumiu. E hoje, trouxe de volta."
-" Tenho tantas coisas para te explicar... Não sei se tenho esse direito mas preciso tanto do seu perdão."
- "Ah, Laura... Não tem perdão. Não existe motivos para isso. Eu só queria você comigo, e hoje, você está. Nada mais importa."
...

Seguidamente, nos encontramos por inúmeras vezes. Para falar do passado, para desembaraçar nossos nós e vivermos, o que ansiávamos viver. Meu desejo por liberdade se aquietou no peito de Laura e o medo dela de se permitir amar se rendeu ao meu cuidado. Não sei se por sina, destino ou força do universo, mas aquele olhar foi meu desde o primeiro instante, e hoje, é a única coisa que me faz acordar desejando a ele, cada dia mais, me prender. Laura é meu amor, sou todo dela. E em nosso existir somos apenas um. Livres,enfim.