quinta-feira, 29 de junho de 2017

Saber sofrer

Fotografia: desconhecido 
A partir dessas conversas que a gente tem com alguém no dia a dia fiquei pensando a respeito do sofrer.
E o que é a tristeza? Antagônica a alegria somente? Uma força,um sentimento,um estado emocional,uma resposta a certa circunstância?
Ouve-se tanto a respeito do entristecer-se,do isolar-se. Ouve-se tanto que é errado chorar,ficar triste,se recolher em si mesmo,calar...Por parecerem esses gestos atos de fraqueza.
Mas afinal o que é ser fraco? É sentir dor,é chorar,é ter saudade,é errar? Ser fraco é cometer erros e se arrepender? É sentir-se pelo menos uma vez na vida incapaz de dar um passo adiante por sentir a tristeza como algo maior que a si mesmo? Ser fraco é ser resiliente e não demonstrar o que entendem por certo para demonstrarmos?
O que é SER humano nos tempos de hoje,onde ser superficial e expor uma vida que não existe é mais importante do que viver de fato? Se permitir sangrar, chorar,morrer por dentro e renascer quantas vezes for preciso, é demais?
Porque é tolido ou supervalorizado quem expõe a dor? Não seria a tristeza tão comum a nós como a alegria,a fome,o medo,a saudade?
Tenho a sensação de que os sábios sofrem em silêncio,não por serem egoístas mas por entenderem que pra todas as coisas existe um tempo e que o tempo de sofrimento é algo que por muitas vezes se dá do corpo pra dentro e não ao contrário. O que advém do corpo pra fora nada mais é do que defesa, uma das tantas maneiras de tentar se libertar.
Sofrer em silêncio, não é esconder a dor; E simplesmente entender que por ser algo tão singular merece ser vivido da mesma forma.É deixar a tristeza vir e passar como um vento num dia de tempestade.
Alguns ventos só balançam as folhas das árvores,outros arrancam algumas pelas raízes mas independente da força ou do tamanho de sua devastação,os ventos se vão.
Alma é lugar por onde passa a dor,não lugar pra ela se instalar.
Tenho aprendido que o mal não está em sofrer,mas está na acomodação, na terrivel mania que temos ,as vezes, de apresentar essa dor a cada um que se aproxima de nós. O mal está em "dar alimento e abrigo pra dor pra que ela fique de vez dentro de nós".
Chorar é uma linguagem da alma,acredito nisso,mas discurso repetitivo é vão.Assim como as palavras, lágrimas também tem sua funcionalidade devida.
Será que vale a pena sofrer? Quer saber? Vale sim porque é aprendizado, porque é crescimento,porque faz parte da vida.
Sofrer é uma escolha? Não. E uma condição, acredito.Procurar sofrimento ou permanecer sofrendo sim é uma escolha.
Escolhas...É...nos deparamos todo dia com elas.
Taí, talvez seja esse o fio da meada.Talvez um pouco complexo. Só vivendo pra saber.
Viver é tão simples que chega a ser a coisa mais complicada que fazemos.

29/12/12

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Nossa finitude

Fotografia: desconhecido

Temos em nós o desejo da eternidade e é sobre ela que construímos muitos dos nosso alicerces.
Vivemos como se a chance de ser feliz estivesse frequentemente atrelada a possibilidade de um amanhã. O amanhã idealizado não chega e a chance de ser feliz mais uma vez é prorrogada.
Nos enganamos talvez pelo medo da finitude e das consequências ou pelas expectativas exageradas que construímos, ou pior, aceitamos que o outro "despeje" sobre nós.
São sonhos engavetados em prol de algo que pode não chegar. É um ideal de perfeição que dia após dia ofusca a visão do óbvio: amanhã não existe.
Seu sonho não vai se realizar porque você insiste em posterga-lo, você não será mais feliz assim.
A oportunidade de conhecer alguém interessante passa, porque fica pra amanhã se envolver, já que hoje tantas outras coisas podem vir a acontecer.
A oportunidade de crescer profissionalmente passa, porque fica pra amanhã enfrentar o medo de sair da zona de conforto.
A oportunidade de conhecer um lugar diferente passa, porque fica pra amanhã dizer não para a família e amigos que dizem que precisam de você por perto o tempo todo.
A oportunidade de se conhecer melhor passa, porque fica pra amanhã dizer sim para si mesmo e enfrentar um "eu" longe do idealizado.
A oportunidade de ser feliz passa, porque fica pra amanhã enfrentar o medo do desconhecido.
No fim das contas, a vida pertencerá a quem for atribuída a prioridade. Seus desejos nunca serão seus se o que importar for satisfazer expectativas
A única coisa que você terá por toda eternidade é a si mesmo.
Viver as vezes dói, como tem que ser. Isso é aprendizado, é crescimento. Viver dói mas também ensina.
O que somos hoje se vai,somos finitos no dia bom ou no dia mal e essa é a boa notícia: passa, tudo passa.
A questão é: como você vai escolher passar por cada momento da sua vida? Esperando pelo amanhã para ser feliz ou com gratidão, vivenciando o hoje da melhor maneira possível?

segunda-feira, 19 de junho de 2017

O dia que a paixão morreu

Fotografia: Desconhecido.


Em um dia desses, fim de tarde, enquanto caminhávamos de mãos dadas pelo parque e falávamos dos nossos planos para o futuro, um casal adolescente sentado em um banco próximo a nós se olhava de um jeito familiar. Eles se olhavam como se o mundo se resumisse a estar ali, um diante do outro e nada mais fosse necessário. Eles se tocavam como se não houvesse sensação mais gostosa que aquela, o coração acelerado, a pele quente, a boca sedenta.
Enquanto você você falava do móvel que queria colocar na sala de estar, e da cor da parede do escritório da nossa casa nova, eu pensava "onde foi que a gente perdeu o tesão de se ter..?". Deu saudade de sentir o corpo tremer pelo simples fato de cogitar um encontro, de sentir você me desejar pelo olhar, de sentir seu toque desbravador. Senti saudade de ser a prioridade do seu dia, seu primeiro desejo da manhã.
Senti saudade de sentir o "frio na barriga" e sorrir sem motivo pela rua, de ouvir uma canção e pensar o dia todo em você. Mas não disse nada. apenas sinalizei com a cabeça que concordava com sua escolha de uma decoração sóbria e uma TV grande para a sala.
Continuamos caminhando até chegarmos em casa; Você foi para para o computador trabalhar, e eu fui para cozinha preparar o jantar. " Uma massa simples e um vinho para acompanhar, talvez... ou um assado... uma salada leve." - pensei.
- Amor, vamos tomar um vinho hoje?
- Tenho que entregar esse projeto amanhã, não posso me dispersar. Fica para a próxima. ( e um beijo amigável na testa).
O jantar foi monossilábico. Enquanto eu tentava estabelecer uma conversa, você com os olhos vidrados na tela do computador, jantava apressadamente, mal me respondia, isso quando era capaz de me ouvir.
Te convidei para o banho... Você disse que estava cansado e precisava terminar o trabalho, que eu poderia ir sozinha e me deitar. A madrugada seria longa e cansativa.
Me lembrei novamente do casal no parque. E me perguntei se eles também se transformariam em uma noite monótona de filmes solitários ou uma leitura até o sono chegar.
Meu celular toca, era trabalho. Uma reunião com um cliente novo, uma possível parceria para minha empresa.- "Ótimo, boas notícias. Quem sabe esse ano a viagem para o exterior e a segunda lua de mel sai". - Marcamos para as 14h do dia seguinte.
Chegando ao local combinado, algo estranho ocorreu, aquele rosto não era estranho, o novo cliente, não era um total desconhecido, era o chefe do meu marido. Nos vimos poucas vezes em festas da empresa ou algum evento social que fosse necessário a cordialidade.
Ele me recebeu com um aperto de mão, e disse que o interesse dele era criar uma parceria da minha empresa com a nova empresa que ele estava criando, para que o filho direcionasse. Por isso ele não estava sozinho, havia um jovem com ele.
Acertamos os detalhes necessários e fechamos o acordo. Parecia vantajoso para ambas as partes.
Voltando para casa, tentei ligar para meu marido para contar a novidade, mas o telefone estava ocupado. Mais tarde ele mandou um SMS avisando que chegaria atrasado para o jantar.
Atraso que durou 3 horas. O jantar esfriou e meu entusiasmo também. Cansei de esperar e fui me deitar.
Na manhã seguinte,notei que ele estava deitado ao meu lado, ainda com as meias com que foi trabalhar.
Levantei, preparei o café da manhã. Ele levantou, me deu o beijo na testa de todos os dias, e tomou um gole de café puro, já pronto para o trabalho novamente.
Meu celular tocou... " Alô, precisava te ver hoje, surgiu uma nova ideia para nosso trabalho juntos". Era o filho do patrão.
As ligações e encontros de trabalho foram se tornando cada dia mais frequentes. Ele tinha uma sede pelo sucesso, admirável. Não queria favorecimentos por ser filho do dono da empresa, queria conquistar o seu lugar. Me ouvia em cada opinião, reconsiderava suas ideias e adequava as minhas sugestões, discordava quando necessário, sem perder a doçura.
E nesse ponto, querido leitor, você já pode imaginar o que aconteceu, não é? Sim, a atração surgiu. Era inevitável não desejar tocar na mão dele o tempo todo, sentir o perfume, desejar o beijo e o que aquela boca poderia fazer.
O problema é que o desejo não era unilateral, ele dava sinais de que também sentia o mesmo. Mas respeitoso como sempre foi, exitava em agir.
A cada encontro de trabalho que tínhamos eu chegava em casa cheia de culpa, afinal, amava meu marido. Decidi que contaria para ele tudo que estava acontecendo, ainda que ele decidisse pela separação.
Foi difícil encontrar um tempo com ele para podermos conversar. Quando tínhamos, ele queria sexo, e eu cada vez queria menos.
Enfim, conseguimos falar sobre o que estava acontecendo. Chorei, arrumei as malas, e ele em silêncio. Foi desesperador, esperei por gritos, acusações, mas ele simplesmente se calou.
Enquanto eu arrumava as malas, eu me lembrei da primeira viagem que fizemos juntos, do quanto a gente queria estar ali, da expectativa em conhecer novos lugares... Me lembrei do beijo perto da lareira, das brincadeiras no jardim, do sexo no banho e na cozinha...
Me lembrei do que me fazia querer estar ali com você e do que custou cada dia da nossa história. Das conquistas que tivemos juntos.
Liguei para o sócio, filho do patrão, e marquei um encontro particular. Coloquei todas as cartas na mesa e ainda tomada por um desejo imenso de beija-lo, decidi que não deveríamos nos ver nunca mais, haveria a opção de tratar com meu marido os assuntos referentes a empresa, contudo, isso causaria um mau estar para todas as partes envolvidas. Amigavelmente, o contrato de parceria foi quebrado, sem multas.
Fiquei uns dias na casa de campo que tínhamos. Tirei um tempo para pensar em tudo isso que tinha acontecido.  Eu não tinha dúvida, amava meu marido, porém, sabia que não era mais apaixonada por ele como antes.
Meses depois, nos encontramos para uma decisão definitiva. O frio no estômago estava de volta, só de imaginar que meus dias poderiam não ter mais a presença dele, que os planos para a casa nova seriam cancelados e os filhos tão sonhados, já não correriam no nosso quintal.
Mal conseguimos nos falar, nos abraçamos.
Eu nunca mais quis estar em outro lugar que não fosse nos braços dele, e ele nunca desejou tanto outra coisa que não fosse viver feliz ao meu lado.
Demos as mãos e voltamos juntos para a casa. E naquele banco onde vimos o jovem casal, havia um casal de idosos. Foi aí que eu entendi.
A paixão morreu, para dar lugar a algo imutável. Nosso amor sobreviveu a paixão e decidiu estar vivo pelo simples fato de nos pertencermos além do desejo. 
Hoje, nossas noites não são monótonas como antes, nem regadas a sexo selvagem em cima da mesa... Hoje somos livres para sermos quem quisermos, com a única exigência: Ser Feliz.

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Amor torto

Fotografia: Desconhecido.
Oi. Desculpa estar aqui batendo a porta da sua casa tão tarde.
Sei que brigamos e não sou a pessoa que gostaria de ver agora, talvez até tenha outra aí com você (o que eu tô fazendo, meu Deus?). Não precisa me convidar para entrar. Só me escuta, nem que seja pela última vez.
Somos opostos e não sei o que fazer a respeito disso. Eu não sei lidar com seu jeito livre de levar a vida, preciso me sentir seguro, preciso me sentir estável, eu não sei voar assim como você, sem olhar pra baixo, sem medo de cair. Eu não sei lidar com seu jeito intenso de me tomar pra você e depois querer ir embora, eu não sei me entregar sem ser todo seu e te querer preenchendo todos os espaços do meu dia.
Desde o começo, a gente sempre soube que as chances de tudo dar errado entre a gente eram muito maiores do que as de ser feliz.
Essa não é só mais uma briga, não é mais um daqueles momentos em que a gente esquece os gritos e ofensas e resolve tudo em uma noite gostosa.
Nossos mundos não são só opostos, eles se repelem. Essa história de que os opostos se atraem é falácia popular.
Você me destrói.
Calma, deixa eu terminar. Se eu não falar tudo que preciso agora vou ter que conviver com a maldita culpa.
Eu não tô aqui para te dizer porque a gente tá mal, te apontar nossos erros ou diferenças.
Eu tô aqui pra te dizer que você me destrói mas constrói algo melhor no lugar. Que você me faz perder o medo de voar, se estiver do meu lado. Que você me faz vencer meus piores defeitos para querer ser alguém melhor pra mim e pra você.
Tô aqui pra te dizer que outras bocas podem beijar melhor que você, outros corpos me despertarem prazer intenso.. Mas ninguém vai me invadir como você...
Você ta entendendo o que eu falo? Vem cá, põe a mão no meu peito. Tá sentindo? Isso é você, viva dentro de mim.
Não sei se tem mais alguém ai nessa casa com você, se tiver, mande embora. Não precisa me chamar pra entrar. Não preciso de lugar nenhum, preciso de você. E te tomo aqui mesmo, na calçada, pra quem quiser ver.
Meu orgulho se despediu de mim assim que coloquei os pés na sua rua e faço questão de larga-lo de vez.
Eu quero você, tá me ouvindo, só você.
Vem, tá vendo essas mãos trêmulas.. É no seu corpo que elas se firmam.
Eu não quero abandonar a gente. Não quero carregar um peito vazio onde o coração não sabe o que fazer para parar de doer.
Eu não quero meu coração abandonado quando eu sei que lugar nenhum me acalenta como o abrigo que encontro em você.
Você sabe que também está aqui, em cada poro da minha pele.
Pode me mandar embora agora, ou me levar pra morar nessa bagunça que você é. Meu mundo já é todo seu. E se ele ruir a gente constrói tudo de novo.
Não me deixa ir. Não vai também.
Fica.
Não chora. Não precisa falar nada, só me abraça.
Te amo.


segunda-feira, 5 de junho de 2017

Além da Vida

Ilustração: Cliff Nielsen


Chovia só lá fora, mas não em mim. Não dessa vez.
Aqui dentro finalmente um raio de Sol chegou. 

Depois de tanto tempo resolvi tirar o coração do porão e abrir as janelas na esperança de que a vida viesse naquela brisa gostosa que se aproximava.
Chovia, era frio, mas sua voz do outro lado da linha me fazia esquecer os agasalhos. Sua voz me fazia lembrar do aconchego que eu queria desfrutar.
Chovia, mas eu não tinha mais medo. 
Eu finalmente queria ver a mudança de estação, queria ver as folhas mortas se dispersando e aquele amor que você tanto semeou, nascendo.
Talvez a chuva tenha surgido naquele dia para me lembrar o quanto me fiz árida, o quanto me fiz seca...seria o início de um novo tempo.Precisava ser.
Pela primeira vez eu estava inteira no que desejava, queria florescer em Amor com você.
Estava decidida, estava pronta para declarar sua vitória diante do meu coração trancado a sete chaves. Estava pronta para dizer as três palavras que você tanto esperava ouvir de mim e me render aos sonho que me apresentou. 

Era uma página em branco que desejávamos escrever a quatro mãos.
Você foi para outro estado visitar familiares.
Poucos dias separavam nosso reencontro. 

Pela primeira vez o frio no estômago não vinha acompanhado de culpa, eu queria que você chegasse, precisava morar naquele abraço que me protegia do mundo outra vez.
A chuva aumentou, o dia chegava ao fim. A gente tinha que se despedir. Uma música ao fundo trazia a história de um amor além da vida. Com a voz estranhamente embargada, você finalizou a ligação.
"Até amanhã, amor. Chegando em casa eu te ligo. Fica com Deus."
Eu não queria desligar. Meu coração aos pulos,apreensivo, aguardava a manhã seguinte.
4,5,8, 9 da manhã... Sua ligação não acontecia, sua mensagem não chegava. Você também não me atendia. A angústia se instaurou, a cada tentativa frustrada, ela crescia.
Era como se uma mão esmagasse meu coração e estrangulasse meu pescoço, eu mal conseguia respirar.
No meu pensamento, a conversa do dia anterior ecoava ininterruptamente e eu repetia para mim mesma "está tudo bem". "As vezes, o celular está sem sinal, essas coisas acontecem."
Liguei para parentes, busquei notícia suas.
Soube que um carro esteve na sua casa de manhã bem cedo, nada além disso.
No fim do dia, não sabia mais o que fazer, já não tinha esperança de que nada havia acontecido. Liguei o computador e procurei por notícias nos sites jornalísticos, que se referissem ao trajeto que você percorreu. Antes de procurar nos hospitais, consegui o número de um primo seu. 

Telefone toca. Primeiro,segundo toque, e do outro lado da linha um "alô" pesado que já me dizia tudo que eu não queria ouvir, ainda assim eu me identifiquei: "Oi, sou a namorada do seu primo, você tem alguma notícia?" . Uma frase, e tudo ao meu redor desapareceu. " Ele morreu". (alguma coisa naquela voz remetia a sua). Sei que outras coisas foram ditas depois disso mas eu não conseguia ouvir. Quer dizer, eu ouvia mas era só um emaranhado de sons. Meu estado era de torpor,mal conseguia falar. Desliguei o celular.
A angústia agora era justificada. O embrulho no estômago, o frio na espinha, o tremor no corpo, o choro incessante.
Aqui sentada diante desse mesmo computador onde digito essa história, eu recebi a noticia que me dilacerou a alma. Aqui, ainda posso sentir o golpe no estômago,como um soco. - É difícil encontrar as palavras certas.
Perder alguém é doloroso. Contudo, era mais do que perda, era vazio, era inquietação, era culpa. Esperei demais para dizer sim, esperei demais para me permitir amar, esperei demais para dizer o quanto me importava, esperei tanto que não tinha mais a chance de dizer o que sentia. Acabou!

Diante desse turbilhão de sentimentos, lembranças e choro, o verso da canção " Mil vidas de amor, pra continuar, tentar ser feliz sem fazer sofrer, de volta eu sou, eu renasci, pra te merecer...". Não conseguia acreditar que nossa história se resumiria a sonhos não vividos. 
Demorei pra perceber que a vida apresentava chances que não podiam ser adiadas. Que amanhã é tarde demais, que passado é bagagem pesada e muitas vezes, desnecessária. Demorei pra perceber que 'o pra sempre' pode durar um dia só.
Era um peso... Cada lágrima me dilacerava por dentro. Nada que me dissessem, nenhum abraço, nenhum carinho, nada fazia cessar.
Foram dias sombrios.
Me reergui, segui minha vida...Ainda que fosse estranho viver como se você nunca tivesse existido.
Você existia em cada música que eu ouvisse, em cada vez que passasse pelos lugares onde estivemos,em cada conquista que eu tivesse, em cada sms antigo que eu relesse. 

Prometi a mim mesma que não desistiria. Você acreditava em mim, você sempre me viu como uma mulher forte. Eu estava aos pedaços, mas foi a lembrança da sua fé em quem eu poderia ser que me deu forças pra seguir.
Sabemos que a história não acaba assim; Grande parte dela morreu, contudo, isso é assunto pra outra ocasião.
Sempre que penso nesse dia, vejo as cicatrizes, e 
lembro dele como o dia que uma parte bonita de mim se foi. Não sei se ela voltará existir, por hoje sorrio e sigo.
Não chove mais em mim, hoje eu sou a tempestade.
Que descanse em paz.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Eu, o Monstro da caverna

Ilustração: Jasmin Junger

Fim de tarde, aquele sol típico de fim de estação, eu aqui ouvindo MPB.
Ai veio lembrança sua, algo súbito ao pensamento, lembrança gostosa de quando convivemos. Tudo bem, foram poucos meses, talvez por isso o pensamento seja tão leve, tão aconchegante.
Como não falei sobre você ainda? Fiquei me perguntando. Como ainda não te agradeci por ter feito parte de tudo. Foi colo, foi abrigo, foi aquela referência de 'amigo mais velho', o olhar de maturidade que me viu inteira e me alcançou. Não tinha lacuna,embora houvesse diferença grande de idade, a nossa relação era de igual pra igual; Você viu em mim alguém que eu escondia de mim mesma.
Lembro bem de te ouvir dizer: "Onde você se esconde, menina. Numa caverna?" . Demorei um pouco pra me sentir a vontade para me mostrar, demorei mais ainda para expor como eu via e sentia as coisas ao meu redor, minha história mexicana, meu coração melodramático escondido numa armadura bonita. Preferia eu ser o monstro da minha própria caverna.
Você insistiu. Sua inquietação ao me ver reclusa, foi me convidando pra fora. Um pouquinho a cada dia. Fez do mundo um quintal interessante a ser explorado, interessante a ponto da caverna não atrair como antes.
Eu precisava disso. Vontade de viver. Vontade de me permitir conhecer. Precisava me sentir viva novamente. E foi seu jeito, ligado nos 220 volts que me sacudiu. Foi sua história que me fez perceber quanto minhas questões eram tão pequenas diante de tudo que sua vida tinha sido até aquele momento.
Você carregava tanta coisa. Coisas que davam vontade de conhecer, de ficar horas a fio só ali sentado no meio da praça ou andando devagarinho pela rua. Você carregava mais do que histórias, na sua mochila tinha mais do que aventuras. Tinha tristeza, tinha abandono, tinha superação, tinha milagre, e de certa forma, tinha ressurreição, não tinha ressentimento, não tinha vitimismo,não tinha derrota.
Sua história foi o "tapa na cara" que eu precisava naquele momento.
'Taí' outra coisa que eu sempre gostei nossas conversas, a sinceridade, a forma como me alcançou pelo que eu amava e não pelo que eu aparentava. Não foi aquela coisa de "Nossa, que linda que você é" pelo contrário, me conheceu de cabelo bagunçado, olheira e espinha na cara e vontade nenhuma de parecer bonita.  Você me via através da forma como eu via o mundo e é nisso que nossas conversas se baseavam, no encontro dos nossos mundos. Não tinha meias palavras, não tinha afagar de egos. Tinha carinho, tinha encantamento, tinha respeito.
Nunca fomos referência de delicadeza, okay...rs. Dois brutos. Ainda assim, gente sabia cuidar um do outro.
Só queria que soubesse que foi especial pra mim, em tudo e por tudo.
Fomos o que precisávamos ser naquele momento. Deus nunca erra ao fazer alguém de instrumento em nossas vidas não é mesmo?
Obrigada por ter me olhado como eu merecia e precisava ser vista. Por confiar aos meus ouvidos suas histórias e questionamentos, suas filosofias e sonhos de artista. Sonhos grandes, objetivos desafiadores - querer o básico nunca combinou contigo. Sempre admirei isso, embora esse fosse também um veneno pra ti.
Obrigada pela intensidade, pela inteireza e alegria com que construiu os dias ao meu lado. Pela sutileza ao se achegar e o respeito ao construir seu lugar. Obrigada, por fazer de cada uma dessas coisas uma lembrança na qual posso me sentir acolhida.
Já tive notícias tão tristes sobre você, mal tive coragem de te procurar para dizer que poderia contar comigo, que eu estava aqui torcendo pra ficar bem de novo.
Cuidei de longe, em pensamento pedia pra que tudo ficasse bem e você se reencontrasse. De longe eu pedia a Deus pra ser o alento e a cura que precisasse.  Ainda de longe, te vi aparentemente melhor. E embora não tenha mais notícias suas, gosto de acreditar que está feliz por esse mundão a fora.
Todas as lembranças que cultivo são nutridas com carinho,admiração e um toque de saudade.
Foi tão conturbada a despedida que mal pude dizer que você me fez crescer, amadurecer, me confrontar.
Amizade é uma coisa estranha, insiste em existir ainda que a convivência se extingua e leve a gente pra tão longe.
A tarde terminou, a noite se aproxima.
Hoje, a caverna se faz extinta.
Por aqui, o céu tá lindo.