domingo, 10 de dezembro de 2017

A Super Mulher e o Passarinho



Como de costume, acordo ao som do despertador. Levanto da cama,ainda com o corpo pedindo mais algumas horas de sono e me jogo embaixo dá água do chuveiro. Não dá tempo para preguiça, o dia é curto demais. Tão curto que mal me sobra tempo para escolher a cor da blusa ou tomar café com ovos mexidos.
Passo pela porta, pronta para sair de casa e olhando para o meu quintal penso: "Meu jardim está sem cor, sei lá, está falando vida. A que lá está, só o faz por teimosia, por insistência, ou quem sabe, por esperança." O dia segue... implacável. E eu fazendo malabarismo entre as horas e minhas obrigações. E nessa, meus ombros doem, me pedem um tempo, mas não posso parar para ouvi-los.
A vida pede muito de mim, ela me quer forte, produtiva, sorridente e ativa, sempre ativa. Cuidar, amar, proteger, prover, ouvir,abraçar, alimentar...De segunda à segunda, muitas horas por dia. Ser inteira para servir, fazer acontecer.
Meu dia está sem cor, a vida um tanto quanto pesada. E eu resisto aos lamentos por teimosia, insistência ou quem sabe, por esperança. As pessoas me irritam, vê-las sorrindo me incomoda. Não lembro mais como é sorrir pra vida,  ela me exige resultados, pro-atividade. E eu digo: "Sim, senhora.". 
Eu, solícita, ansiando para que finalmente, o findar do dia chegue. Meu corpo cansado e minha alma pedindo colo. Meu lar vazio de sentido, de aconchego, de paz. Não é lar, é simplesmente casa, um lugar árido onde recosto minhas frustrações e lamúrias. É só um solo onde me falta tempo para regar.
Tudo que não fui capaz de administrar vai comigo para a cama e de tão rotineiro, já sei onde dorme a preocupação de cada dia. Meus olhos pesam,assim como minha mente que pede sonhos bonitos e coloridos para deixar a realidade menos amarga. Finalmente, durmo.
E tudo recomeça, dia após dia, cansaço após cansaço.
Um pássaro pousou no galho de um árvore que ficava logo abaixo da minha janela. Um ser tão frágil me desafiou com seu canto de liberdade. Ele foi insistente, cantou, cantou, cantou...Até que, em um desses rompantes de rebeldia, surgindo como uma salvação, eu decidi tirar a capa de "super mulher". Me despi da minha armadura, lancei para longe escudo, espada e rancor. Eu queria ser livre também, e cantar, voar, fazer ninho.
Percebi que não era a vida que cobrava de mim era eu que queria ser tudo. Queria abraçar o mundo e assumir minhas dores e as dores alheias. Queria carregar nos meus ombros pesos além do necessário. Percebi que não era a vida que me dominava, era meu ego. Meu orgulho, minha auto suficiência.
E que aquelas pessoas que sorriam ao meu redor não me afrontavam,elas me convidavam para ser feliz com elas. Que elas não falavam para me importunar, mas para me fazer parte de tudo que elas eram e faziam.
Percebi que ergui diante de mim o muro da "obrigação de ser responsável", para não ter que lidar com as imprevisibilidades de se viver sem amarras.
Percebi que querer fazer tudo pelas pessoas e nada por mim não era altruísmo,era auto abandono. E quem recebia meu tudo, não tinha que retribuir de igual forma,nem poderia. Era demais querer que reconhecessem que faço além do que eu deveria, como um mérito.Porque de fato, não é. Demorei para perceber isso.
Hoje não passo mais pelo meu jardim, eu me dedico a ele. Por me cansar de tanto adubar, semear e colher nos quintais que rodeavam lares que não eram o meu. Por me cansar de me fazer tudo para todos e nada pra mim. Não pense que a vida não se tornou mais fácil; Apenas aprendi, que quem escolhe como irá vivê-la sou eu. E escolhi que felicidade também foi feita pra mim.
Obrigada, passarinho.

domingo, 3 de dezembro de 2017

De Lagarta à Borboleta

Ph: via Pinterest
Há muito tempo atrás tive um encontro comigo. Pode parecer estranho, de fato é, mas durante grande parte da minha vida, eu não me conhecia.
Precisei da dor para me enxergar através dos meus olhos e me orgulhar de quem eu era.Precisei do abandono pra aprender a me fazer companhia.Precisei do vazio para aprender a me preencher...
É, não foi fácil (nunca é).
Desse encontro conquistei algo que antes me causava medo: a mudança. Eu tremia todas as vezes que sentia que meus alicerces poderiam ruir, fugia de todo e qualquer movimento que me tirasse do lugar. Queria estabilidade, segurança, sossego. Era meu casulo.
Aos poucos, fui percebendo que estar sempre no mesmo lugar, do mesmo jeito, rodeada pelas mesmas pessoas, não era segurança, era prisão. E a vida começou a sussurrar no meu ouvido: "Vem!". Mas eu ainda queria algo que me trouxesse firmeza aos passos.
A verdade é que sempre fui covarde. É, covarde. Preferia ficar onde não me cabia mais do que arriscar sair e dar de cara com uma possível frustração. E de imaginar não conseguir me adequar ao novo, eu cravava meus pés no chão. Feito mula empacada.
A vida continuou me chamando e eu resistindo. Tinha medo de sofrer. Que ironia. Quanto mais medo eu tinha de sofrer mais eu alimentava minhas feridas e as fazia crescer, e doer. Calava meus gritos até que um dia, não consegui mais fazê-lo.
Me apegava a pessoas, como se elas tivessem o dever de me proteger, de me adequar e em troca eu cuidava delas, carregaria o mundo e as dores de todos nas costas. E eu só queria uma coisa: segurança, a maldita segurança!
A vida não me chamava mais, ela foi me buscar. Feito mãe que diante de nossa teimosia nos pega pelo braço e diz "Não está escutando? Estou falando com você.". E eu tal criança pirracenta, queria ficar, jogava meu corpo no chão, fazia força para não sair do meu conforto. Dessa vez, não adiantou.
Sofri, como nunca imaginei sofrer. Mais do que temia sofrer. E me vi definhar, em sonhos, em objetivos, em alegria de viver...Eu não queria mais, estava cansada. O Nada me abraçou. Me abraçou mas não me confortou. Um incômodo estranho me invadiu. O vazio não era meu lugar.
Eu que tanto me escondi do mundo e dos desafios, agora queria sair, desbravar espaços, conhecer novos sotaques, paisagens e cheiros. Entendi, finalmente eu entendi, o que a vida queria me dizer. Moldes não foram feitos para mim. Fui feita pra ser livre. E esse ímpeto me fez ir, tal como a contração de um parto, a dor do desconforto frente ao desconhecido, me fez querer viver. Nascer para vida.
Hoje, me vejo desejante de transformações, numa ânsia constante por mudança. Quero descobrir todo universo que carrego em mim. Quero gostar de café e querer experimentar todo sabor de chás, quero usar tênis,andar descalço e usar salto agulha. Quero ter uma casa no campo e um passaporte carimbado. Quero amar e poder apreciar minha solidão.
Hoje eu quero tudo, e quero muito, porque aprendi que não preciso caber em lugar algum quando tenho o Mundo inteiro feito pra mim. De lagarta à Borboleta, entendo meus momentos no casulo,contudo, nada me faz mais feliz do que sentir o vento da liberdade em minhas asas.
Sei que nem sempre o céu é meu lugar, que preciso pousar em flores, repousar em galhos, e até mesmo me lembrar de quando era lagarta. Tudo bem, a vida continua acontecendo, e eu também.