domingo, 5 de agosto de 2018

Cura



Tínhamos tudo para não sermos nada. O momento não parecia propício para nos darmos "ao luxo de amar". Carregávamos corações calejados, experiências dolorosas e descrença, sobretudo da capacidade de ser feliz. Mais do que escolha, a solidão se transformou em armadura pesada, evidência da nossa covardia. Doía sim, antes essa dor de ser só do que a dor de ser um com quem não é ao menos a metade. Assim, do amor éramos sobreviventes.

Sobrevivi a casa feita de afeto mas sem alicerce, que na primeira tempestade não era nada mais do que ruínas. Sobrevivi a promessas vazias e sorrisos falsos. Sobrevivi a mentiras, traições, enganos. Sobrevivi as inúmeras "mais uma chance" dadas a quem jamais mereceu. Sobrevivi a despedidas inesperadas, abandonos repentinos...

Não foi difícil compreender seus lamentos, conhecia a estrutura daquela dor. Tinha tanto de mim em você, que a primeira impressão foi, alívio. Pode parecer um tanto quanto egoísta, mas, tua dor fez com que eu não me sentisse sozinha. Todos os outros que tentaram se aproximar, não me alcançavam, porque não compreendiam, ou não queriam compreender, o que era o amor pra mim. Você sabia, você sentia: Amor era uma cicatriz que ainda causava dor.

Nossas Almas se abraçaram. Desse gesto se fez força. Em nossa armadura, surgiu uma fenda ínfima, quase imperceptível. O "quase" era tudo que precisávamos. A paz entrou, limpou toda a bagunça que o passado fez.  Tirou a poeira da palavra alegria e acordou a esperança que,  prontamente, abriu a porta, convidando o antigo inquilino para entrar : "Amor, quanto tempo!? Bem vindo de  volta, espero que dessa vez não se retire tão cedo."

O que antes era cicatriz, se fez cura. As mãos que vazias buscavam onde se apoiar, agora, se esparramam no enlaçar dos dedos ,no percorrer dos corpos. Corpos que se pertencem em liberdade,  que se completam em intensidade, e sobretudo, que se protegem em amor.

À vida,  nossa gratidão por ignorar todos os avisos de perigo, por teimar em nos enxergar em nossos abismos e por nos fazer enxergar a nós.  Nossa gratidão por nos ensinar a sermos inteiros em nossos pedaços. Gratidão...

Meu sorriso, já não esconde dor, hoje ele é um pedaço seu morando na minha boca, uma fotografia breve daquilo que somos nós : todo sentido da palavra "felicidade". 

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