domingo, 20 de agosto de 2017

Onde mora a Saudade



Imagem: Pinterest

No meio da inconstância de seus pensamentos,das incertezas de cada sensação ele se recolhe em si mesmo. Silêncio...E ele se depara com uma caixinha.Observando-a ainda não a reconhece.Tem muita poeira, devido a ação do tempo diante de tudo que precisou ser deixado de lado.
Ele limpa com suas mãos a sujeira que o esquecimento gerou e começa a explorar a caixa.Ele começa a explorar sua própria vida,ou parte dela. Ao abrir a caixa se depara com o primeiro sentimento: A Saudade. Nesse momento,ele já não está no mesmo lugar,agora também está dentro da caixa. E se lembra o porquê dela existir. Lembra que em um momento de loucura (ou desespero) escolheu deixar ali algumas coisas. 

Viu que a Saudade era o que fazia o coração apertar e deixava um certo vazio,uma vontade de pertencer a alguém. Via que a Saudade tinha se transformado na água quente que tocava seu corpo durante o banho, tinha se transformado naquela música que era tão especial pra ele, tinha se transformado no espaço vazio na cama,na ausência de colo quando ele chorava. Ele viu que a saudade tinha se transformado em...ele percebeu que a Saudade não era só um sentimento,ele viu que a Saudade era " ela", a mulher que deixou ir.

Era "ela" o sorriso nos lábios quando as boas lembranças surgiam,era "ela" o pensamento safado que desnorteava e aquecia seu corpo,era " ela" parte de um passado,de uma vida,de uma felicidade...era "ela" aquele sentimento gostoso que trazia paz pro coração. Era "ela" o seu passado presente.

E justamente por isso,ainda que numa caixa empoeirada,ele guardava o melhor de suas lembranças.Porque embora o tempo transformasse o exterior da caixa, ele sabia que pra ele,sempre seria "ela".Embora muitas tivessem sido,e outras ainda viessem a ser."ela" é. E ali,dentro dele,na sua caixinha,isso não mudaria.

Ele sorriu,ainda confuso. Um sorriso frio mas ainda assim,um sorriso.

Nesse momento "ela" era o sorriso,o motivo dele.
Ao fechar a caixinha de lembranças. Um peso invadiu seu coração e  voltou a deixa-la onde estava.Assim que ele a queria,guardada,escondida. Porque se a tivesse em mãos o tempo inteiro,se estivesse sempre diante de seus olhos, talvez não pudesse seguir em frente.

Mal ele sabia que "ela" já era parte de tudo que ele vivia e que a carregaria em cada novo passo,em cada nova escolha.Assim como "ela" sabia que era muito mais do que aquelas lembranças.

E o silêncio vai embora. A vida lá fora continua.
I see you latter...

30 de Julho de 2012.

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Amor de Hotel

Fotografia: Via Pinterest

Era um dia típico, mais um daqueles finais de semana que eu passava fora de casa para participar de algum congresso.
A cama do hotel era mais familiar do que minha cama box... Entre uma palestra ou outra,entre as trocas de roupa e banho, me permitia apreciar a vista pela sacada.
Nessa semana, era notório um movimento a mais. Uma agitação desproporcional as anteriores. Um burburinho. Percebi,mas não fiz questão de compreender a razão pra tanto.
Em meu último dia de estadia, um evento foi cancelado, tive a tarde livre (graças a Deus). Coloquei meu maiô e fui pra sauna relaxar.
'Estranho, a sauna está vazia hoje, que ótimo! Gosto de privacidade' - pensei.
Sento, fecho os olhos grata por aquele instante de tranquilidade.
" Você tem uma toalha sobrando aí?" - Uma voz firme quebra meu silêncio quase meditativo.
" Claro, um segundo, vou pegar pra você" - respondo sem ao menos me virar para o lado.
Quando me direciono para o dono daquela voz, entendi o motivo do burburinho pelo hotel e a movimentação frenética das funcionárias. Era Rafael, um cantor muito famoso no país.
O olhar firme, a boca bem desenhada, cabelo médio,pele clara, sorriso aberto. Pronto, era eu mais uma a ficar encantada pela presença dele. Pude contar com meu auto controle nesse momento para não parecer uma fã idiota.
- "Obrigado...pela toalha." disse ele.
- "... hã... que isso, por nada". respondi.
Ele foi embora.
Voltei para meu quarto pra arrumar minha mala. Pensando no que tinha acabado de acontecer.
- "serviço de quarto"
- "Pois não".
- "Deixaram isso aqui para a senhora na recepção".
Era a toalha que entreguei ao Rafael e um convite para o show que aconteceria na próxima semana.
-"obrigada" respondi ao funcionário do hotel.
Fechei a porta e ao desdobrar a toalha um papel cai no chão. Um cartão. Sutil e direto:
"Obrigado pela gentileza. Te espero na primeira fileira do meu show, próximo sábado." 
O número do celular dele no verso. Nem uma frase a mais.Como a maioria dos artistas, confiante e impulsivo.
Me perguntava como aquela criatura descobriu o número do quarto em que eu estava...contudo, o entusiasmo foi maior  que os "porquês".
Eu uma médica, quase 30 anos de idade, estruturada profissionalmente, emocionalmente desprendida...ali, me sentindo uma adolescente, encantada pela ideia de ter um momento perto dele outra vez.
Saí pra sacada, como de costume. Pego o celular e fico tentada a ligar para aquele número no cartão.
"Posso estar interpretando errado, mais expectativas do que deveria"- penso.
Desci para o restaurante do hotel para jantar. Escolhi uma mesa e me sentei. Peguei o cardápio, decidindo entre massa e ensopados, o que gostaria de comer.
E com as mãos nas costas da cadeira, indicando que vai arrastá-la, ele diz: - "Posso?"
"Claro" - respondo.
E,  novamente, Rafael  sabia onde me encontrar. (Até hoje esse fato é mistério pra mim)
Isso nunca havia me acontecido. Foi uma conversa tão leve. Passamos horas falando sobre a vida como velhos conhecidos. Jantamos, comemos sobremesa, pedimos um vinho. Numa naturalidade assustadora.
"Já está tarde, preciso ir. Viajo amanhã" 
"Eu também, vamos então".
No rol do hotel, sinto as mãos dele na minha cintura. Volto meu corpo para o dele. Frente a frente. Nos abraçamos.
Ele por ser mais alto do que eu, trazia a sensação de abrigo no abraço que eu desconhecia até então. Queria ficar ali pra sempre.
O perfume que vinha dele... forte e marcante sem ser enjoativo. Traduzindo um pouco daquilo que ele trazia em sua personalidade.
Nos beijamos. E era como se meu corpo inteiro despertasse pra ele. Tudo pedia por toque, por beijos, calor...
"Me leva lá pra o quarto, vai" - nunca pensei sussurrar isso tão rápido no ouvido de um homem.
"Eu não tô com pressa" - Disse ele, maliciosamente.
Alguns hóspedes começaram a reconhece-lo e se aglomeraram ao nosso redor.
Escolhemos as escadas, para chegar até o quarto. Embora parecesse o caminho mais demorado era o menos óbvio.
Ele me beijava, e acariciava meu corpo. E nisso, meu corpo levitava pelos degraus. Completamente entregue. Mal podia esperar pelo sussurro no ouvido, pela boca invadindo meu corpo, pelos dedos percorrendo cada centímetro da minha pele, a língua percorrendo minhas cochas...
Paramos na porta do quarto dele, estava entre aberta.
"Estranho, vou chamar o segurança..."
O quarto estava revirado, as roupas dele pelo chão, a cama com todos os pertences espalhados.
Saímos para buscar respostas sobre aquele caos.
Ele me abraçou, me deu um beijo demorado e antes que pedisse pra eu esperar, um suspiro. Ele cai nos meus braços... Me faltavam forças para sustentar o peso.
Vejo um homem passando por nós com uma faca ensanguentada nas mãos. Era o sangue do Rafael naquela faca. A alegria da nossa noite se esvaia naquela poça vermelha no chão.
-"Socorro! Pelo amor de Deus alguém liga para a emergência.. .Pelo amor de Deus".
Fiz os primeiros procedimentos, mas pela gravidade do ferimento precisaria leva-lo para o hospital.
-"Rafael,  fica calmo, eu tô aqui...vai ficar bem, vai dar tudo certo."
 As lágrimas insistiam em brotar dos meus olhos e a voz mal saía.
Era a impotência de mulher unida ao conhecimento profissional.Aquela vida teria poucas chances de ser salva.Tudo escureceu ao meu redor.
-"Não posso desmaiar agora"
De longe ouço o barulho da sirene da ambulância.

Acordo na cama do hotel, ainda confusa. Estava sozinha no quarto. Do lado da cama havia um bilhete.
"Bom dia, dorminhoca, acho que alguém perdeu o voo heim... Já volto."
Parecia uma brincadeira de mal gosto.
Ouço o barulho do chuveiro.Ele estava lá.
"Poxa, pensei que fosse dar tempo de buscar nosso café da manhã antes que você acordasse" - me puxando pra acompanha-lo no banho.
"Você... você está bem!" -sorri dizendo. 
"Claro que sim, Minha Linda". 
O banho durou mais tempo do que o normal... grudei no corpo dele e não queria mais largar.
"O que aconteceu, você está bem?" Perguntou.
"Estou sim, só tive um sonho ruim."
"Esquece o sonho... você já comprou as passagens? Tem um show pra gente ir lembra?"

Nunca me esqueci do sonho.
Mas acordar quase todas as manhãs ao lado dele me faz sentir tanta paz...completute e felicidade que outrora, jamais haviam ousado morar em mim.

*Você deve estar se perguntando onde começou o sonho, onde começou o romance... mas essa é outra história. 




domingo, 6 de agosto de 2017

Recado à Saudade

Fotografia : Fotografos Passarello

Oi, como já somos velhas e íntimas conhecidas, dispenso formalidades.
Na verdade, te chamei aqui porque precisamos conversar. É, isso mesmo, discutir a relação.
Entendo sua importância, não me entenda mal... não quero ignorar o porquê você nascer e renascer vez ou outra. Mas te abrigar às vezes pesa,sabe?
Você me acorda e dá aquele sopro frio no coração, me faz olhar para o lado da cama e sentir que meu corpo está pela metade.
Você me pega pela mão na rua e me faz perceber que os meus passos são vagos, assim como meu pensamento ao horizonte.
Você me abraça forte, me esmaga, quando me deparo com uma foto, canção, perfume no ar...
Você me esvazia por dentro e inunda minhas lembranças. Quer ocupar cada uma delas.
Eu sei que o Amor te mandou aqui como mensageira, como companheira,mas poxa, pega leve.
Você me coloca no colo no fim da noite, se esconde no travesseiro para regar minhas lágrimas e como forma de alento, me traz o encontro em sonho.
Mas o Sol rompe a janela. É dia outra vez, e você já está ali, me encarando, tocando meu rosto com a brisa do vento. Você não me deixa e quando tenta, te chamo. Solidão não é uma boa companhia para o Amor.
Tento te ludibriar com mensagens, ligações,"sinal de fumaça"... Mas não, você não se contenta, sempre quer mais... e finca suas raízes em mim.
Sei que você leva um pouco de mim pra outros ares.. e a propósito, muito obrigada por isso, porém, vou te confessar.
Saudade, você só é boa mesmo, quando morre no abraço do reencontro.