terça-feira, 6 de novembro de 2018

Farrapos



Te conheci na hora errada. Meus pensamentos estavam tomados pela euforia das coisas efêmeras, paixão adolescente, cisma de menina, sabe? No meio de tanto barulho, tanta confusão, tanta briga, tanto ego, estava você, ali quietinho, ao derredor. Mal pude notar. Fantasiei o imperfeito com todos os sonhos que eu atribuía a ele e embora o traje não lhe coubesse bem, acreditei que cada um deles haveria nascido para essa função. 

A realidade me esbofeteou, sacudiu, rasgou toda aquela roupa colorida que criei para a palavra amor , me fez ver o que estava escondido abaixo dela. Então, comecei a compreender o quão vazio foi lutar tanto pelo que preenchia o outro, nunca a mim. Mas ainda assim, insisti por muitas outras vezes, remendar os farrapos com pedaços de esperança. " É só uma fase, vai melhorar", "Não pode ser tão ruim assim." "E se eu ficar sozinha e me arrepender?" Minha insegurança me segurava pelos pés, e eu arrastava meus passos tal qual um prisioneiro acorrentado. E você, continuava ali, ao derredor.

Até que a hora certa veio. Eu sabia o que queria e principalmente o que eu não queria. Sabia que não teria mais concerto, que remendos não seriam capaz de encobrir o inevitável fim. Aos poucos, meus olhos desanuviaram- se, e dentre as cores cinzas das quais havia me acostumado a enxergar, seu sorriso explodiu em cor. Me convidou para vida e eu tive medo. Calei e continuei. Dessa vez,  meus pés flutuavam. Você não estava mais ao derredor, você estava em mim. Ainda que não estivesse comigo. 

Continuo carregando pesos desnecessários daquele sonho antigo, tenho na mala os farrapos, botões e fitas que perderam a cor. Não o quero mais, talvez você não entenda, porque nem eu sou capaz disso, mas o que ele representa ainda me prende. É como se fosse uma obrigação, entende? Carregar para sempre os frutos que semeei, mesmo que eles não matem minha fome de amor. 

Ah, quisera eu ter a maturidade de hoje. Entender que a espera não é perda de tempo mas sim uma escolha estratégica que minimiza dores; saber que não há vergonha em mudar o trajeto quando caminhar não faz mais sentido, que insistir na dor por acreditar na cura é burrice.  Demorei muito para aprender e agora equilibro meus arrependimentos e frustrações na corda bamba de minhas vontades.

Meu medo é que no mais tardar, você não esteja mais ao meu redor e eu me esqueça o que é querer ser feliz. Que eu me acostume com o que tenho nas mãos, sentindo que em mim, restou apenas o vazio.  Meu medo é que você se vá sem ao menos saber que seu lugar sempre foi aqui. Não me entenda mal, o que sinto foge ao egoísmo. Por isso não peço que me espere, que me roube e me leve contigo. Só te peço que encontre sua felicidade. Mas por favor, não esteja tão longe para que ela possa refletir um pouco em mim e lembrar meus olhos cinzas, regados de lágrimas o quanto é bom encontrar sentido no sorriso de alguém.

É, eu demorei muito pra aprender que o amor nem sempre se veste de cor, às vezes, ele é as mãos que tece os sonhos... e nós? Somos a linha.