domingo, 26 de agosto de 2018

Coisa Estranha


Ph: Via Pinterest


É estranha essa coisa de pertencer a alguém, não digo no sentido de posse ou obsessão. Isso é outra coisa. Também não falo de sexo, de entregar o corpo para outra pessoa em nome de um prazer mútuo (ou não) e momentâneo. Falo sobre pertencer de forma mais profunda, em energia, ligação de alma, sabe?  Amor, amor mesmo, que a gente constrói nas minucias, delicadezas de manhã em manhã. Nas renúncias silenciosas e escolhidas. Sim, escolhidas,  porque ninguém é obrigado a abri mão de nada por outra pessoa e se o faz, nada tem a ver com o sentimento que Eros. 

É estranha essa coisa de estar preso a alguém estando completamente livre. De poder ir e vir, por onde for, conhecer o mundo, e sempre querer voltar, sempre querer ficar. E não falo de lugar no sentido físico da palavra, falo de lugar como abrigo emocional representado pelo peito de alguém. Falo sobre querer ser o lugar de alguém, ser o melhor lugar pra alguém por nada além de amor.

É estranha essa coisa de se encontrar em alguém e não se perder de você mesmo. De se reconhecer em gestos e gostos que não são só seus, não necessitar de vocabulário rebuscado para descrever o que está evidente nas atitudes, olhares e beijos. Entender o momento de calar ou de confrontar. Se ver na dor de alguém e fazer o for preciso para ser a cura. 

É estranha essa coisa de amor, de não saber de fato o que ele é mas ainda assim, compreender o que ele não é. Se fazer grito, voz, música, silêncio ou breu. Pertencer, se prender, se encontrar, e transformar a vida em um conjugar de verbos na primeira pessoa do plural. Desejando que seja infinito, ainda que não seja eterno. 

É estranho quando um sentimento eterniza alguém em nós ainda que ele já tenha passado, seja passado, estranho como ele torna beijos, carinhos, abraços e presenças, insubstituíveis. Como constrói lembranças para acalentar dores, como reaviva saudades para relembrar importâncias. 

Acho que no fim das contas, amar alguém é abraçar toda estranheza e se despir de certezas. Se permitir estar preso, abrigar, ser livre, ser lugar e ter um lugar. Ter a certeza de que em um mundo repleto de possibilidades, de gostos, sexos e sorrisos, um deles é fatal. Saber que entre esses benditos sorrisos, um foi feito para te destruir por completo, fazer de você o que bem quiser.  Ah, isso sim, meu amigo (a) é pertencer a alguém. 

Quando essa pessoa chega, nenhuma boca resiste,  não há sentido que duvide da verdade que mora na expressão: "Sou seu/sua."

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Partida




Com olhar angustiado, ela confessou seu desejo de partir. Falou das dores de não mais sentir, de não mais querer, de não mais amar. Falou também do cansaço que minhas teimosias fizeram nascer, das mágoas que meu egoísmo insistia em perpetuar... Minha imaturidade, dependência emocional e falta de empatia.
"Você nunca enxergou a minha dor"- disse, sussurrando.

Senti raiva. Como poderia me atribuir tamanha infelicidade?Como poderia se dizer tão ausente de amor, se a cada manhã ela me sorria e beijava a boca? Como? Se em cada erro ela me oferecia um abraço e perdão. Se, na cama, seu desejo me pertencia.  "Você nunca me amou." - Respondi, acusando.

Com o grito sufocado,  ela fez as malas. Nelas, colocou as poucas peças que precisaria levar. Deixou pra trás as roupas de festa, sapatos e acessórios. Deixou perfumes,  maquiagem e jóias.  Os objetos que a presenteie. Fotos, cartões e livros. Ela deixou também as lembranças, deixou o cheiro, o vazio na cama... Levou meus sonhos, viagens, possíveis filhos, família. Levou meu amor.

Com o peito dilacerado, entendi. Cada sorriso que ela me dava era tudo o que ela gostaria de receber. Que escondia suas dores porque eu não era capaz de acolher. Que me perdoava porque me enxergava muito melhor do que eu poderia ser. Me amou muito mais do que eu merecia.

Não pedi que voltasse. Não pedi que me perdoasse. Finalmente,  compreendi o quão injusto seria mantê-la em uma casa que deixou de ser lar a partir do momento que  desabriguei o amor para acolher o meu eu.

Chorei por mim e por nós. Chorei pelos anos que neguei à mulher da minha vida a reciprocidade capaz de nos nutrir. Chorei por não ter visto nosso elo se romper. Chorei até adormecer e acordar sozinho. Condenado a conviver com única coisa que me restou: o vazio de uma ausência.

domingo, 5 de agosto de 2018

Cura



Tínhamos tudo para não sermos nada. O momento não parecia propício para nos darmos "ao luxo de amar". Carregávamos corações calejados, experiências dolorosas e descrença, sobretudo da capacidade de ser feliz. Mais do que escolha, a solidão se transformou em armadura pesada, evidência da nossa covardia. Doía sim, antes essa dor de ser só do que a dor de ser um com quem não é ao menos a metade. Assim, do amor éramos sobreviventes.

Sobrevivi a casa feita de afeto mas sem alicerce, que na primeira tempestade não era nada mais do que ruínas. Sobrevivi a promessas vazias e sorrisos falsos. Sobrevivi a mentiras, traições, enganos. Sobrevivi as inúmeras "mais uma chance" dadas a quem jamais mereceu. Sobrevivi a despedidas inesperadas, abandonos repentinos...

Não foi difícil compreender seus lamentos, conhecia a estrutura daquela dor. Tinha tanto de mim em você, que a primeira impressão foi, alívio. Pode parecer um tanto quanto egoísta, mas, tua dor fez com que eu não me sentisse sozinha. Todos os outros que tentaram se aproximar, não me alcançavam, porque não compreendiam, ou não queriam compreender, o que era o amor pra mim. Você sabia, você sentia: Amor era uma cicatriz que ainda causava dor.

Nossas Almas se abraçaram. Desse gesto se fez força. Em nossa armadura, surgiu uma fenda ínfima, quase imperceptível. O "quase" era tudo que precisávamos. A paz entrou, limpou toda a bagunça que o passado fez.  Tirou a poeira da palavra alegria e acordou a esperança que,  prontamente, abriu a porta, convidando o antigo inquilino para entrar : "Amor, quanto tempo!? Bem vindo de  volta, espero que dessa vez não se retire tão cedo."

O que antes era cicatriz, se fez cura. As mãos que vazias buscavam onde se apoiar, agora, se esparramam no enlaçar dos dedos ,no percorrer dos corpos. Corpos que se pertencem em liberdade,  que se completam em intensidade, e sobretudo, que se protegem em amor.

À vida,  nossa gratidão por ignorar todos os avisos de perigo, por teimar em nos enxergar em nossos abismos e por nos fazer enxergar a nós.  Nossa gratidão por nos ensinar a sermos inteiros em nossos pedaços. Gratidão...

Meu sorriso, já não esconde dor, hoje ele é um pedaço seu morando na minha boca, uma fotografia breve daquilo que somos nós : todo sentido da palavra "felicidade".