quinta-feira, 1 de junho de 2017

Eu, o Monstro da caverna

Ilustração: Jasmin Junger

Fim de tarde, aquele sol típico de fim de estação, eu aqui ouvindo MPB.
Ai veio lembrança sua, algo súbito ao pensamento, lembrança gostosa de quando convivemos. Tudo bem, foram poucos meses, talvez por isso o pensamento seja tão leve, tão aconchegante.
Como não falei sobre você ainda? Fiquei me perguntando. Como ainda não te agradeci por ter feito parte de tudo. Foi colo, foi abrigo, foi aquela referência de 'amigo mais velho', o olhar de maturidade que me viu inteira e me alcançou. Não tinha lacuna,embora houvesse diferença grande de idade, a nossa relação era de igual pra igual; Você viu em mim alguém que eu escondia de mim mesma.
Lembro bem de te ouvir dizer: "Onde você se esconde, menina. Numa caverna?" . Demorei um pouco pra me sentir a vontade para me mostrar, demorei mais ainda para expor como eu via e sentia as coisas ao meu redor, minha história mexicana, meu coração melodramático escondido numa armadura bonita. Preferia eu ser o monstro da minha própria caverna.
Você insistiu. Sua inquietação ao me ver reclusa, foi me convidando pra fora. Um pouquinho a cada dia. Fez do mundo um quintal interessante a ser explorado, interessante a ponto da caverna não atrair como antes.
Eu precisava disso. Vontade de viver. Vontade de me permitir conhecer. Precisava me sentir viva novamente. E foi seu jeito, ligado nos 220 volts que me sacudiu. Foi sua história que me fez perceber quanto minhas questões eram tão pequenas diante de tudo que sua vida tinha sido até aquele momento.
Você carregava tanta coisa. Coisas que davam vontade de conhecer, de ficar horas a fio só ali sentado no meio da praça ou andando devagarinho pela rua. Você carregava mais do que histórias, na sua mochila tinha mais do que aventuras. Tinha tristeza, tinha abandono, tinha superação, tinha milagre, e de certa forma, tinha ressurreição, não tinha ressentimento, não tinha vitimismo,não tinha derrota.
Sua história foi o "tapa na cara" que eu precisava naquele momento.
'Taí' outra coisa que eu sempre gostei nossas conversas, a sinceridade, a forma como me alcançou pelo que eu amava e não pelo que eu aparentava. Não foi aquela coisa de "Nossa, que linda que você é" pelo contrário, me conheceu de cabelo bagunçado, olheira e espinha na cara e vontade nenhuma de parecer bonita.  Você me via através da forma como eu via o mundo e é nisso que nossas conversas se baseavam, no encontro dos nossos mundos. Não tinha meias palavras, não tinha afagar de egos. Tinha carinho, tinha encantamento, tinha respeito.
Nunca fomos referência de delicadeza, okay...rs. Dois brutos. Ainda assim, gente sabia cuidar um do outro.
Só queria que soubesse que foi especial pra mim, em tudo e por tudo.
Fomos o que precisávamos ser naquele momento. Deus nunca erra ao fazer alguém de instrumento em nossas vidas não é mesmo?
Obrigada por ter me olhado como eu merecia e precisava ser vista. Por confiar aos meus ouvidos suas histórias e questionamentos, suas filosofias e sonhos de artista. Sonhos grandes, objetivos desafiadores - querer o básico nunca combinou contigo. Sempre admirei isso, embora esse fosse também um veneno pra ti.
Obrigada pela intensidade, pela inteireza e alegria com que construiu os dias ao meu lado. Pela sutileza ao se achegar e o respeito ao construir seu lugar. Obrigada, por fazer de cada uma dessas coisas uma lembrança na qual posso me sentir acolhida.
Já tive notícias tão tristes sobre você, mal tive coragem de te procurar para dizer que poderia contar comigo, que eu estava aqui torcendo pra ficar bem de novo.
Cuidei de longe, em pensamento pedia pra que tudo ficasse bem e você se reencontrasse. De longe eu pedia a Deus pra ser o alento e a cura que precisasse.  Ainda de longe, te vi aparentemente melhor. E embora não tenha mais notícias suas, gosto de acreditar que está feliz por esse mundão a fora.
Todas as lembranças que cultivo são nutridas com carinho,admiração e um toque de saudade.
Foi tão conturbada a despedida que mal pude dizer que você me fez crescer, amadurecer, me confrontar.
Amizade é uma coisa estranha, insiste em existir ainda que a convivência se extingua e leve a gente pra tão longe.
A tarde terminou, a noite se aproxima.
Hoje, a caverna se faz extinta.
Por aqui, o céu tá lindo.

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