segunda-feira, 5 de junho de 2017

Além da Vida

Ilustração: Cliff Nielsen


Chovia só lá fora, mas não em mim. Não dessa vez.
Aqui dentro finalmente um raio de Sol chegou. 

Depois de tanto tempo resolvi tirar o coração do porão e abrir as janelas na esperança de que a vida viesse naquela brisa gostosa que se aproximava.
Chovia, era frio, mas sua voz do outro lado da linha me fazia esquecer os agasalhos. Sua voz me fazia lembrar do aconchego que eu queria desfrutar.
Chovia, mas eu não tinha mais medo. 
Eu finalmente queria ver a mudança de estação, queria ver as folhas mortas se dispersando e aquele amor que você tanto semeou, nascendo.
Talvez a chuva tenha surgido naquele dia para me lembrar o quanto me fiz árida, o quanto me fiz seca...seria o início de um novo tempo.Precisava ser.
Pela primeira vez eu estava inteira no que desejava, queria florescer em Amor com você.
Estava decidida, estava pronta para declarar sua vitória diante do meu coração trancado a sete chaves. Estava pronta para dizer as três palavras que você tanto esperava ouvir de mim e me render aos sonho que me apresentou. 

Era uma página em branco que desejávamos escrever a quatro mãos.
Você foi para outro estado visitar familiares.
Poucos dias separavam nosso reencontro. 

Pela primeira vez o frio no estômago não vinha acompanhado de culpa, eu queria que você chegasse, precisava morar naquele abraço que me protegia do mundo outra vez.
A chuva aumentou, o dia chegava ao fim. A gente tinha que se despedir. Uma música ao fundo trazia a história de um amor além da vida. Com a voz estranhamente embargada, você finalizou a ligação.
"Até amanhã, amor. Chegando em casa eu te ligo. Fica com Deus."
Eu não queria desligar. Meu coração aos pulos,apreensivo, aguardava a manhã seguinte.
4,5,8, 9 da manhã... Sua ligação não acontecia, sua mensagem não chegava. Você também não me atendia. A angústia se instaurou, a cada tentativa frustrada, ela crescia.
Era como se uma mão esmagasse meu coração e estrangulasse meu pescoço, eu mal conseguia respirar.
No meu pensamento, a conversa do dia anterior ecoava ininterruptamente e eu repetia para mim mesma "está tudo bem". "As vezes, o celular está sem sinal, essas coisas acontecem."
Liguei para parentes, busquei notícia suas.
Soube que um carro esteve na sua casa de manhã bem cedo, nada além disso.
No fim do dia, não sabia mais o que fazer, já não tinha esperança de que nada havia acontecido. Liguei o computador e procurei por notícias nos sites jornalísticos, que se referissem ao trajeto que você percorreu. Antes de procurar nos hospitais, consegui o número de um primo seu. 

Telefone toca. Primeiro,segundo toque, e do outro lado da linha um "alô" pesado que já me dizia tudo que eu não queria ouvir, ainda assim eu me identifiquei: "Oi, sou a namorada do seu primo, você tem alguma notícia?" . Uma frase, e tudo ao meu redor desapareceu. " Ele morreu". (alguma coisa naquela voz remetia a sua). Sei que outras coisas foram ditas depois disso mas eu não conseguia ouvir. Quer dizer, eu ouvia mas era só um emaranhado de sons. Meu estado era de torpor,mal conseguia falar. Desliguei o celular.
A angústia agora era justificada. O embrulho no estômago, o frio na espinha, o tremor no corpo, o choro incessante.
Aqui sentada diante desse mesmo computador onde digito essa história, eu recebi a noticia que me dilacerou a alma. Aqui, ainda posso sentir o golpe no estômago,como um soco. - É difícil encontrar as palavras certas.
Perder alguém é doloroso. Contudo, era mais do que perda, era vazio, era inquietação, era culpa. Esperei demais para dizer sim, esperei demais para me permitir amar, esperei demais para dizer o quanto me importava, esperei tanto que não tinha mais a chance de dizer o que sentia. Acabou!

Diante desse turbilhão de sentimentos, lembranças e choro, o verso da canção " Mil vidas de amor, pra continuar, tentar ser feliz sem fazer sofrer, de volta eu sou, eu renasci, pra te merecer...". Não conseguia acreditar que nossa história se resumiria a sonhos não vividos. 
Demorei pra perceber que a vida apresentava chances que não podiam ser adiadas. Que amanhã é tarde demais, que passado é bagagem pesada e muitas vezes, desnecessária. Demorei pra perceber que 'o pra sempre' pode durar um dia só.
Era um peso... Cada lágrima me dilacerava por dentro. Nada que me dissessem, nenhum abraço, nenhum carinho, nada fazia cessar.
Foram dias sombrios.
Me reergui, segui minha vida...Ainda que fosse estranho viver como se você nunca tivesse existido.
Você existia em cada música que eu ouvisse, em cada vez que passasse pelos lugares onde estivemos,em cada conquista que eu tivesse, em cada sms antigo que eu relesse. 

Prometi a mim mesma que não desistiria. Você acreditava em mim, você sempre me viu como uma mulher forte. Eu estava aos pedaços, mas foi a lembrança da sua fé em quem eu poderia ser que me deu forças pra seguir.
Sabemos que a história não acaba assim; Grande parte dela morreu, contudo, isso é assunto pra outra ocasião.
Sempre que penso nesse dia, vejo as cicatrizes, e 
lembro dele como o dia que uma parte bonita de mim se foi. Não sei se ela voltará existir, por hoje sorrio e sigo.
Não chove mais em mim, hoje eu sou a tempestade.
Que descanse em paz.

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