segunda-feira, 19 de junho de 2017

O dia que a paixão morreu

Fotografia: Desconhecido.


Em um dia desses, fim de tarde, enquanto caminhávamos de mãos dadas pelo parque e falávamos dos nossos planos para o futuro, um casal adolescente sentado em um banco próximo a nós se olhava de um jeito familiar. Eles se olhavam como se o mundo se resumisse a estar ali, um diante do outro e nada mais fosse necessário. Eles se tocavam como se não houvesse sensação mais gostosa que aquela, o coração acelerado, a pele quente, a boca sedenta.
Enquanto você você falava do móvel que queria colocar na sala de estar, e da cor da parede do escritório da nossa casa nova, eu pensava "onde foi que a gente perdeu o tesão de se ter..?". Deu saudade de sentir o corpo tremer pelo simples fato de cogitar um encontro, de sentir você me desejar pelo olhar, de sentir seu toque desbravador. Senti saudade de ser a prioridade do seu dia, seu primeiro desejo da manhã.
Senti saudade de sentir o "frio na barriga" e sorrir sem motivo pela rua, de ouvir uma canção e pensar o dia todo em você. Mas não disse nada. apenas sinalizei com a cabeça que concordava com sua escolha de uma decoração sóbria e uma TV grande para a sala.
Continuamos caminhando até chegarmos em casa; Você foi para para o computador trabalhar, e eu fui para cozinha preparar o jantar. " Uma massa simples e um vinho para acompanhar, talvez... ou um assado... uma salada leve." - pensei.
- Amor, vamos tomar um vinho hoje?
- Tenho que entregar esse projeto amanhã, não posso me dispersar. Fica para a próxima. ( e um beijo amigável na testa).
O jantar foi monossilábico. Enquanto eu tentava estabelecer uma conversa, você com os olhos vidrados na tela do computador, jantava apressadamente, mal me respondia, isso quando era capaz de me ouvir.
Te convidei para o banho... Você disse que estava cansado e precisava terminar o trabalho, que eu poderia ir sozinha e me deitar. A madrugada seria longa e cansativa.
Me lembrei novamente do casal no parque. E me perguntei se eles também se transformariam em uma noite monótona de filmes solitários ou uma leitura até o sono chegar.
Meu celular toca, era trabalho. Uma reunião com um cliente novo, uma possível parceria para minha empresa.- "Ótimo, boas notícias. Quem sabe esse ano a viagem para o exterior e a segunda lua de mel sai". - Marcamos para as 14h do dia seguinte.
Chegando ao local combinado, algo estranho ocorreu, aquele rosto não era estranho, o novo cliente, não era um total desconhecido, era o chefe do meu marido. Nos vimos poucas vezes em festas da empresa ou algum evento social que fosse necessário a cordialidade.
Ele me recebeu com um aperto de mão, e disse que o interesse dele era criar uma parceria da minha empresa com a nova empresa que ele estava criando, para que o filho direcionasse. Por isso ele não estava sozinho, havia um jovem com ele.
Acertamos os detalhes necessários e fechamos o acordo. Parecia vantajoso para ambas as partes.
Voltando para casa, tentei ligar para meu marido para contar a novidade, mas o telefone estava ocupado. Mais tarde ele mandou um SMS avisando que chegaria atrasado para o jantar.
Atraso que durou 3 horas. O jantar esfriou e meu entusiasmo também. Cansei de esperar e fui me deitar.
Na manhã seguinte,notei que ele estava deitado ao meu lado, ainda com as meias com que foi trabalhar.
Levantei, preparei o café da manhã. Ele levantou, me deu o beijo na testa de todos os dias, e tomou um gole de café puro, já pronto para o trabalho novamente.
Meu celular tocou... " Alô, precisava te ver hoje, surgiu uma nova ideia para nosso trabalho juntos". Era o filho do patrão.
As ligações e encontros de trabalho foram se tornando cada dia mais frequentes. Ele tinha uma sede pelo sucesso, admirável. Não queria favorecimentos por ser filho do dono da empresa, queria conquistar o seu lugar. Me ouvia em cada opinião, reconsiderava suas ideias e adequava as minhas sugestões, discordava quando necessário, sem perder a doçura.
E nesse ponto, querido leitor, você já pode imaginar o que aconteceu, não é? Sim, a atração surgiu. Era inevitável não desejar tocar na mão dele o tempo todo, sentir o perfume, desejar o beijo e o que aquela boca poderia fazer.
O problema é que o desejo não era unilateral, ele dava sinais de que também sentia o mesmo. Mas respeitoso como sempre foi, exitava em agir.
A cada encontro de trabalho que tínhamos eu chegava em casa cheia de culpa, afinal, amava meu marido. Decidi que contaria para ele tudo que estava acontecendo, ainda que ele decidisse pela separação.
Foi difícil encontrar um tempo com ele para podermos conversar. Quando tínhamos, ele queria sexo, e eu cada vez queria menos.
Enfim, conseguimos falar sobre o que estava acontecendo. Chorei, arrumei as malas, e ele em silêncio. Foi desesperador, esperei por gritos, acusações, mas ele simplesmente se calou.
Enquanto eu arrumava as malas, eu me lembrei da primeira viagem que fizemos juntos, do quanto a gente queria estar ali, da expectativa em conhecer novos lugares... Me lembrei do beijo perto da lareira, das brincadeiras no jardim, do sexo no banho e na cozinha...
Me lembrei do que me fazia querer estar ali com você e do que custou cada dia da nossa história. Das conquistas que tivemos juntos.
Liguei para o sócio, filho do patrão, e marquei um encontro particular. Coloquei todas as cartas na mesa e ainda tomada por um desejo imenso de beija-lo, decidi que não deveríamos nos ver nunca mais, haveria a opção de tratar com meu marido os assuntos referentes a empresa, contudo, isso causaria um mau estar para todas as partes envolvidas. Amigavelmente, o contrato de parceria foi quebrado, sem multas.
Fiquei uns dias na casa de campo que tínhamos. Tirei um tempo para pensar em tudo isso que tinha acontecido.  Eu não tinha dúvida, amava meu marido, porém, sabia que não era mais apaixonada por ele como antes.
Meses depois, nos encontramos para uma decisão definitiva. O frio no estômago estava de volta, só de imaginar que meus dias poderiam não ter mais a presença dele, que os planos para a casa nova seriam cancelados e os filhos tão sonhados, já não correriam no nosso quintal.
Mal conseguimos nos falar, nos abraçamos.
Eu nunca mais quis estar em outro lugar que não fosse nos braços dele, e ele nunca desejou tanto outra coisa que não fosse viver feliz ao meu lado.
Demos as mãos e voltamos juntos para a casa. E naquele banco onde vimos o jovem casal, havia um casal de idosos. Foi aí que eu entendi.
A paixão morreu, para dar lugar a algo imutável. Nosso amor sobreviveu a paixão e decidiu estar vivo pelo simples fato de nos pertencermos além do desejo. 
Hoje, nossas noites não são monótonas como antes, nem regadas a sexo selvagem em cima da mesa... Hoje somos livres para sermos quem quisermos, com a única exigência: Ser Feliz.

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